Valéria Ribeiro 24/10/2024
Rompendo paradigmas
Memorial de Maria Moura, publicado em 1992, é o último romance de Rachel de Queiroz, sendo considerado uma de suas obras mais relevantes. Combinando drama, aventura e crítica social, o livro narra a trajetória de Maria Moura, uma jovem forte e destemida que desafia os padrões sociais e de gênero em pleno sertão nordestino. A história explora temas como poder, violência, liberdade e a posição da mulher em uma sociedade patriarcal.
A estrutura narrativa é composta pelos relatos da própria Moura, do Beato Romano e de Marialva que se intercalam no desenvolvimento da história. Essa estrutura dá à obra o tom de "memorial", com diferentes vozes e pontos de vista sobre os eventos.
Maria Moura é uma órfã que, após a morte da mãe e a traição do padrasto, assume uma postura ousada: decide liderar um bando de homens e se estabelecer como chefe de um grupo de homens armados. Ao longo da narrativa, ela constrói um território independente, no qual busca viver à margem das normas sociais, num misto de banditismo e resistência. A jornada da protagonista é marcada por dilemas entre a sobrevivência e a justiça, e entre a necessidade de usar a violência e seu desejo por liberdade, entre a paixão e a independência.
Marialva, prima de Moura, é oprimida pelos irmãos violentos e irascíveis e representa a opressão feminina típica da época. Ao se apaixonar por Valentim, um artista mambembe, foge da família e assume uma vida nômade e errante, mas livre da violência familiar. Sua trajetória é marcada por aventuras, perdas, acidentes e surpresas.
Beato Romano é o Padre José Maria que assumiu a identidade do Beato após uma tragédia ocorrida na Fazenda Atalaia. Depois desse evento, ele se vê perseguido, por isso sua trajetória é marcada pela itinerância, a solidão, o medo e, principalmente, a culpa. Embora afastado da igreja, o Padre, agora Beato, jamais abandona a fé e procura exercê-la em todas as ocasiões possíveis.
Todas essas personagens, vindas por caminhos diferentes e em tempos diferentes se encontram da Serra dos Padres e acabam compartilhando suas vidas e destinos de forma irreversível.
Em Memorial de Maria Moura, o destaque maior é para a figura feminina e a emancipação da mulher em um contexto árido e violento. Maria é uma personagem singular: ao mesmo tempo líder e rebelde, rompe com as expectativas sociais de submissão e fragilidade associadas às mulheres da época.
A linguagem é rica e carregada de oralidade, típica do regionalismo que caracteriza a autora, tornando Memorial de Maria Moura uma obra fascinante, que combina ação e reflexão de forma envolvente. Rachel de Queiroz cria uma protagonista memorável, cujas ambições e dilemas ecoam questões universais sobre liberdade, identidade e resistência.