João Ferro 05/05/2020
Bom, mas faltou alguma coisa
Memorial de Maria Moura é um romance de Rachel de Queiroz escrito em 1992. A Autora, depois de um lapso de mais ou menos cinquenta anos sem escrever romances, lançou a obra. Trata-se de uma trama regionalista descrita em primeira pessoa por diversos narradores: a personagem principal, Maria Moura, Tonho, Irineu, Marialva e Beato Romano. Trata-se de um recurso polifônico (como se fossem vários contadores de histórias), por meio do qual a mesma estória é contada por diversos narradores, imiscuídos em seu psicológico e seus pontos de vista.
Esses narradores contam a saga de Maria Moura, uma jovem sertaneja do final do século XIX (Brasil Império) que se torna órfã e é assediada, depois da morte de sua mãe, por familiares (Irineu, Tonho e Firma – os Marias Pretas) e pelo próprio padrasto, com quem tem sua primeira experiência sexual, para que ceda a propriedade de suas terras, chamadas de “Limoeiro”. Maria Moura, ameaçada por todos os lados e acuada, em vez de se apresentar como moça indefesa e neutralizada, insurge-se, formando um bando e praticando assaltos. Seu maior objetivo é encontrar as terras que eram de propriedade de seus ancestrais, localizadas na Serra dos Padres, e lá construir uma casa forte, explorar a terra, acumular riqueza e, enfim, ter segurança, sem se sujeitar a homem nenhum e a familiares.
O bando de Maria Moura se torna famoso e sua figura, a de uma mulher à frente de um grupo armado masculino, se torna referência para pessoas excluídas da sociedade como escravos, criminosos (o Beato Romano, por exemplo) e toda a espécie de marginalizados. Bem assim, o Poder de Maria Moura cresce a cada saque, a cada assalto, e ela se torna famosa em seu contexto territorial.
Quando enfim se estabelece, Maria Moura é convidada a dar guarida a um almofadinha, filho de um fazendeiro, o Cirino, um rapaz mal caráter. Por Cirino, Maria Moura se apaixona e expõe um lado frágil e inseguro, baqueado pelo amor, por trás de uma mulher forte e insurgente, que, até Cirino, não se submetia a homem nenhum.
Desse modo, Rachel aborda em seu romance vários nuances psicológicos dos personagens, por meio de uma linguagem clara, coloquial e que prende o leitor, mostrando-se, indubitavelmente, um livro gostoso de ler. Além do lado psicológico e humano dos personagens, a obra trata de feminismo, brutalidade e preconceitos. Uma leitura gostosa, sem dúvidas.
Apear disso, da notoriedade da autora e da linguagem leve, acredito que Memorial de Maria Moura apresenta um grande descompasso narrativo. Os maiores vilões da história, Irineu, Tonho e Firma se perdem bruscamente, dando lugar a um forasteiro, o Cirino, que se torna o amor e ódio de Moura numa relação amorosa bem piegas e sem sentido. Da virada brusca entre os vilões, Rachel contextualiza Cirino em uma situação que pega o leitor de surpresa e torna maçantes os capítulos finais. Por causa disso, a força da personagem Maria Moura desfalece e ela vai se tornando insossa, encardida. A trama, a meu ver, termina sem dizer a que veio, como se fosse uma rede não finalizada. Torna-se uma história que vai do tudo a lugar nenhum. Por causa dessa quebra no roteiro, Memorial de Maria Moura torna-se um livro bom no início, mas que perde o fio da meada e possui um final, que me perdoe quem discordar, fraco.
Mais feliz foi a adaptação feita pela Rede Globo na década de 90, apresentando Glória Pires como Maria Moura. Na adaptação, a Globo correlacionou os eixos da história, dando mais emoção e sentido ao transcorrer dos fatos.
Diante disso tudo, Memorial de Maria Moura é um bom livro, mas, com todo respeito à imortal Rachel, não me fez refletir nem ter vontade de relê-lo. Para mim, livros excelentes se fazem aqueles que obrigam o leitor a pensar mais e ver o mundo de outras formas. Temas caros como o feminismo, o preconceito e machismo poderiam ter sido mais bem explorados por Rachel. Mesmo assim, recomendo a leitura.
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