Mari 19/01/2021
Escrevendo com os pés, porque com as mãos, estou aplaudindo
Rachel de Queiroz foi a primeira escritora brasileira a ser realmente reconhecida. Aos 20 anos, surpreendeu público e crítica ao escrever uma história sobre a seca no Nordeste, "O Quinze", que ainda é seu romance mais famoso, porque não imaginavam que uma mulher conseguisse escrever tão bem sobre um tema tão sério e, ainda mais, sendo tão jovem. Mas, Rachel não parou por aí, continuou escrevendo livros de grande sucesso, como "As Três Marias" e "Memorial de Maria Moura". Este último, talvez tenha sido seu último grande romance. E, que livro, que obra-prima! Por esse livro, a senhora Rachel não merece Palmas não, merece é o Tocantins inteiro. O que mais gostei nele foi sua capacidade de prender o leitor, principalmente, quando começa a chegar no final. Pelo menos foi assim comigo, não conseguia parar de lê-lo por nada nesse mundo.
Logo, percebe-se que só uma mulher nordestina e guerreira poderia ter escrito tal romance, pois é exatamente isso que sua protagonista, Maria Moura, é. Quer dizer, Dona Moura, pois ninguém diz seu nome sem lhe mostrar respeito. Ainda jovem, ela ficou órfã de pai e mãe e ainda foi abusada pelo padrasto, Liberato, um pilantra que queria lhe usar para ficar com suas terras. Por isso, ela teve que mandar um homem matá-lo, mas antes, ela foi se confessar ao Padre José Maria, nem ela sabe exatamente o porquê, porém, essa confissão ligaria os seus destinos.
Como se não bastasse tudo isso, ainda lhe aparecem os primos Tonho e Irineu, tentando lhe roubar as terras, alegando que eram deles, pode até ser que fossem deles mesmo, mas ninguém ia tirar Maria Moura de sua casa. Eles tentaram assustá-la e sequestrá-la, chegando lá com um monte de homem armado, contudo foram recebidos com um intenso tiroteio. Aproveitando a confusão, ela ainda incendiou a própria casa antes de fugir com seus homens, para não deixar nada para aqueles dois. Cortou os cabelos, vestiu as roupas do pai e, assim, morreu a sinhazinha e nasceu Dona Moura. Aos poucos, foi conseguindo mais homens, mais armas, mais munição, mais cavalos e mais poder, tornando-se temida na região.
Achei muito interessante a forma como Rachel divide o livro, porque os capítulos são dedicados a personagens específicos que narram seu ponto de vista da história de forma não linear. Apesar de não ser uma técnica inovadora, por ser muito comum em livros de fantasia, seu uso no livro me surpreendeu, já que ainda não a tinha visto ainda em livros mais sérios. Por isso, pode-se concluir que o livro possui 3 personagens principais: Dona Maria Moura, Padre José Maria e Marialva, a prima de Maria Moura, que é mantida presa pelos irmãos, Tonho e Irineu, e pela cunhada, Firma, para impedir que ela se case e que o marido cobre sua parte nas terras. Porém, a protagonista mesmo é Dona Maria Moura, não só por ser a dona da maior quantidade de capítulos, mas também, porque a história dos outros personagens acaba girando ao redor da sua própria.
Além disso, como a história se passa no meio do século XIX, há a presença da escravidão e Rachel não perde a oportunidade de criticar o racismo.
"Eu sentia (e sinto ainda) que não nasci pra coisa pequena. Quero ser gente. Quero falar com os grandes de igual para igual. Quero ter riqueza! A minha casa, o meu gado, as minhas terras largas. A minha cabroeira me garantindo...
Quero que ninguém diga alto o nome de Maria Moura sem guardar respeito. E que ninguém fale com Maria Moura ? seja fazendeiro, doutor ou padre, sem ser de chapéu na mão."