Ntem 26/07/2014
Uma pobre homenagem à uma inigualável obra de todos os tempos
Como não ficaste louco? Como aguentaste essa insanidade, esse desespero, essa agonia? És tão forte e simples para conseguir guardar toda essa dor, esse rancor, essa cólera que permeia nosso sangue tingido, que corre freneticamente em busca de algo tão vago e longínquo quanto o silêncio, a paz, o fim de nossos sentidos, a trégua que prediz a partida da tempestade inerente neste ínfimo oceano cor de vinho. Sim! Os raios, os trovões, os gritos, as fúrias dos Deuses, a divindade do grandioso Leviatã que percorre em intermináveis ciclos esse arruinado mundo, os ventos inabaláveis, as desenfreadas ondas, tão gigantescas quanto as montanhas. Sim! Um oceano abaixo e dentro de nós!
Mas não! Não és egoísta a este ponto. Olho em teus olhos e não há quem consiga guardar dentro de si, enclausurado nesta frágil e fina pele, esse desejo, esse desejo de vingança sem ao menos demonstrá-lo uma única vez em sua hora mais lúgrube, mais funesta. Não se engane, seus olhos ardem nessas chamas amaldiçoadas que traçam seu próprio destino a um mergulho sem volta neste mar sanguinário. Erga seus cansados e doentios olhos e encare o próprio Sol em seu mais alto ponto, transponha seus vívidos e mortais raios e o olhe face a face, não desvie sua visão mas tema, tema pelo que irá ver, pois ao encará-lo nada além de seu próprio reflexo irá reluzir naquele magistral e incandescente astro de fogo. O desespero e a perdição pura!
Eis a vida! Embarquemos nesse nobre navio, que zarpa sem rumo nem volta aos mais distantes confins desse vasto e alucinante oceano que tenta em vão esconder as mais belas e imaculadas criaturas em suas escuras e inexploradas águas. Sejamos àquele que em sua sã demência tem como único, temido e preciso fim a fúnebre perseguição contra o branco fantasma tão magnífico que mesmo em seu ultimo e árduo suspiro não emite sequer uma nota de sofrimento. Eis o Leviatã! Que mesmo ao longe se escuta o imortal tinir daqueles mesmos arpões que outrora serviram como as últimas palavras dos mais bravos homens.
Bem, chegou a hora. Trégua rompida e na pálida e borbulhenta poeira avança o destemido Titã que em sua enorme cauda carrega a atormentada tempestade. Sem volta nem arrependimento. Que se inicie a Marcha Fúnebre! Os botes desvencilham-se de seu protetor e pela última vez seus remos ricocheteiam no reflexo azulado do Sol, formando-se bolhas tão brancas quanto suas próprias assombrações. Os oficiais gritam até seus pulmões sangrarem, mas não há quem escute. A tripulação sente apenas as silenciosas notas desta sinfonia. Suas almas queimam como labaredas, sangue e chamas se misturam e se alastram pelas pálidas águas douradas, o Sol nunca esteve tão intenso fundindo ao fervilhante sangue vinho. E nos brindemos dessa loucura, juntos com os retinintes arpões, pois desta paisagem abstrata e vivaz só restarão puras cinzas tão brancas quanto o mar!
Exclamo, suplico aos céus meu último pedido: que tu, ó vigoroso vento, que carregues aos sete cantos deste perdido mundo nossas sonhadoras e puras cinzas, pois delas serão compostas históricas e memoráveis notas musicais. Onde quer que seja, nossas almas irão se misturar às vozes de todos os homens que brindam alegres seus reluzentes cálices cheios deste amargo e precioso líquido que nos devora e nos consome, do ponto mais obscuro e sombrio de nosso corpo até nossos olhos; reflexos destes fogos que queimam, queimam, queimam aos céus e nele explodem e formam e moldam tornados tão fortes que são capazes de erguer até o mais profundo e denso mar que há, para que novamente nossas cinzas retornem ao seu lugar de origem para nunca mais voltar!
E que venha o perpétuo e infindável sono! Minhas pálpebras pesam, mas não há quem as sustentem; cerram-se meus olhos a essa derradeira vista, o único réu neste onipresente tribunal. Mas não, rogo-te que não, tudo menos a terra, a firme e imóvel terra. Eis uma vida perdida, sem propósito nem razão, a plena isenção do Destino. Esta profunda e paranóica análise de meu ser, toda essa resignação, esse sofrimento para isso. Encontrar-me em meu mais inacessível íntimo a olhar-me e encarar-me como uma pobre criança nesse vazio reflexo que se projeta à minha frente, numa calma e lúcida poça de água.