Igor 23/12/2012
Diversão e Saudosismo
Uma das coisas legais em ter sempre um livro comigo aonde quer que eu vá (além de nunca ficar entendiado), é ver a reação das pessoas que convivem ou simplesmente cruzam com você, depois de perguntar “que livro é esse?” e ver o título. No caso deste livro as reações foram um tanto inusitadas. Alguns o definiram como clássico, como “ícone da cultura pop”, outros como história pra criança, livro infantil, e até uns mais malucos afinaram a voz e começaram a tocar bateria no ar, entoando riffs da imbatível música “Tom Sawyer”. Devo dizer que em certa medida fui levado a ler o livro também pela referida música, do Rush – uma das maiores bandas de todos os tempos e das minhas favoritas –, que soava deveras psicodélica e viajante até eu concluir a leitura do livro.
Primeiramente, não vejo “As Aventuras de Tom Sawyer” como um livro infantil ou para crianças. Não se trata de um livro bonitinho com uma história feliz, personagens politicamente corretos e uma moral educativa no final. Passa longe disso, poderia até ser considerado uma referência ruim para crianças na idade do protagonista. A obra de Mark Twain soa melhor como um livro para saudosistas, pessoas que já passaram pela infância e, com o livro, direta ou indiretamente têm boas recordações e até sentem falta do tempo que passou.
O narrador conversa com seu leitor constantemente. O uso do discurso indireto-livre com perspectivas e conclusões tornam a leitura muito mais divertida. A título de exemplo, acho que isso contribui bastante para que a cena da pintura da cerca seja tão emblemática.
Tom Sawyer é muito provavelmente uma das bases para o estereótipo de criança travessa que se desenvolveu nos últimos tempos em personagens como Dennis Mitchell (‘the menace’ ou ‘o pimentinha’), Kevin McCalister ou Bart Simpson, entre outros. É carismático, está sempre aprontando, possui planos mirabolantes, se destaca entre as demais crianças e tira os responsáveis do sério.
Além disso, tenho para mim que a maior virtude da obra de Mark Twain é descrever com naturalidade o meio, as relações e o convívio de crianças entre si, sem tornar a narrativa desinteressante. Com Tom Sawyer, vemos que quando se é criança os sentimentos são sempre no superlativo (ocorre o maior amor da vida, a decepção sem precedentes, a aventura mais fascinante); todas as superstições são efetivas, desde que observado o ritual de que se ouviu falar à risca; qualquer cacareco pode ser objeto de troca e gerar um bom negócio; sem falar na visão romanceada que se tem sobre os “foras da lei”.
Com estes e outros elementos, Twain constrói uma narrativa leve, fluida e bastante agradável, que poderia se estender além das cerca de 200 páginas (a depender da edição). Mas, ao invés disso, o autor insere um fato incomum na comunidade pacata que permite deixar a história bem amarrada, além de cumprir com os propósitos delineados na introdução e na conclusão.
Por fim, a impressão que tive quando terminei é que o autor traçava um perfil universal de crianças. Me identifiquei em diversos trechos do livro (não propriamente com a figura de Tom Sawyer, mas com algumas situações expostas) e imagino que outros leitores em diversas partes do mundo sintam o mesmo em relação ao que se passa no vilarejo no interior do Missouri. Mas essa ideia de livro para saudosistas (ou melancólicos) parece estar com os dias contados. A geração digital, “touch”, ou como quer que se denomine, muito provavelmente não terá esse tipo de experiências, mas sim videogames, TV, smartphones e relações em redes sociais. Talvez daqui a 40 anos, os leitores achem apenas curiosa, estranha e surreal a primeira história de Tom Sawyer e seu amigo Huck Finn.
Termino a resenha desta obra memorável com a citação de um trecho da música genial da genial banda canadense Rush que leva o nome do protagonista:
“(…) Though his mind is not for rent
Don't put him down as arrogant
His reserve, a quiet defense
Riding out the day's events –
The river
What you say about his company
Is what you say about society
– Catch the mist, – Catch the myth
– Catch the mystery, – Catch the drift (…)”