jota 14/04/2011Os Irmãos Karamazov, de Fiodor DostoievskiFazia tempo que tinha vontade de ler este livro, mas suas muitas páginas de letras miúdas faziam com que eu sempre fosse adiando a leitura. Até que cerca de um mês atrás vi um filme (não a produção hollywoodiana de 1958), uma adaptação moderna chamada Karamazovi (plural de Karamazov). É uma coprodução de 2008 entre a República Tcheca e a Polônia, e que recebeu críticas melhores que a outra, a americana.
Fiquei então bastante motivado, iniciei a leitura e estou indo em frente entusiasmado (claro, é uma obra-prima). O livro é bastante conhecido, Dostoievski também. Ele é considerado o escritor cristão mais admirado pelos ateus. Muitas das páginas por que passei envolvem enormes discussões religiosas (mas nem um pouco aborrecidas, pelo contrário) e um dos irmãos Karamazov, Alieksiêi (ou Aliócha), é noviço em um mosteiro.
Mas não é apenas isso, é muito mais, evidentemente. Entre muitas passagens memoráveis, há uma fala de Ivan, outro dos irmãos, que me remeteu para um livro de frases de Herman Hesse (que eu lia bastante anos atrás, Para Ler e Pensar), mas desconheço qualquer autor que estabeleça uma ligação entre Hesse e Dostoievski e talvez não haja mesmo. A frase: "As tolices são necessárias ao mundo; sobre elas é que ele se funda: sem essas tolices, nada se passaria aqui na Terra." Seria algo assim como sonhar sonhos impossíveis, sonhos quixotescos, ou cometi uma tolice interpretativa?
Bem, a revista VEJA, edição 2086, de 12.11.2008, trouxe uma matéria interessante sobre Os Irmãos Karamazov, pois a Editora 34 estava relançando a obra, em nova tradução e em dois volumes (capa acima). Lá temos uma boa descrição acerca desses atormentados heróis:
"O pai, Fiódor, é um bêbado e um bufão que conseguiu acumular alguma fortuna graças sobretudo ao matrimônio com mulheres de melhor extração social. Teve três filhos: Dmitri (ou Mítia), do primeiro casamento, e Ivan e Alieksiêi (ou Aliócha), do segundo (e, ao que tudo indica, seria ainda o pai do criado Smerdiakóv, filho da idiota da vila). Negligente, abandonou-os todos. Violento e lascivo, Dmitri saiu ao pai – e disputa com ele os favores de Grúchenka, jovem mulher de má fama. Aliócha é um místico. Vive em um mosteiro ortodoxo, onde segue as orientações do caridoso monge Zossima. Ivan é o mais filosófico e especulativo, um livre-pensador que parece ironizar todos os sistemas religiosos ou filosóficos: flerta com o ateísmo, mas também discute teologia de igual para igual com os monges do mosteiro onde vive seu irmão mais novo, Aliócha. O narrador do romance confere a esse último a distinção de herói da história, mas Ivan é uma figura mais marcante. O capítulo mais conhecido e celebrado do romance, "O grande inquisidor", deve-se a ele. Trata-se de um poema de Ivan (ou, antes, do enredo de um poema que ele deseja escrever, já que não está em versos), no qual Jesus retorna à Terra em Sevilha, no século XVI, e acaba preso pela Inquisição espanhola."
Nas páginas que precedem esse capítulo há um enorme diálogo entre Ivan e Aliócha (este praticamente apenas retruca com uma ou outra frase, enquanto o irmão expõe seu caudaloso pensamento), de onde pincei um trecho que nos diz muito acerca dele próprio (e dos Karamazov, por extensão). Ivan diz a Aliócha:
"(...) Sabes, meu caro, que havia um velho pecador no século XVIII que disse "Si Dieu n'existait pas, il foudrait l'inventer"? ["Se Deus não existisse, precisaríamos inventá-lo." Citação da Epístola ao Autor dos "Três Impostores", de Voltaire.] E, com efeito, foi o homem quem inventou Deus. E o que é espantoso não é que Deus exista realmente, mas que essa ideia da necessidade de Deus tenha vindo ao espírito de um animal feroz e mau como o homem. Quanto a mim, renunciei desde muito tempo a perguntar a mim mesmo se foi Deus quem criou o homem, ou o homem quem criou Deus. (...)
"Assim, admito Deus, não só voluntariamente, mas ainda sua sabedoria, seu fim que nos escapa; creio na ordem, no sentido da vida, na harmonia eterna, na qual se pretende que nos fundiremos um dia: creio no Verbo para o qual propende o Universo que está em Deus e que é ele próprio Deus, até o infinito. Estou no bom caminho?"
Eu seguramente estou em boa companhia. Estou na companhia de Fiodor Dostoievski.
Fiodor Dostoievski - Os irmãos Karamazov, SP, Abril Cultural, 1970, tradução de Natália Nunes e Oscar Mendes.