Fabio Shiva 26/01/2019
sem caráter e genial!
Que livro genial! Certamente uma obra-prima da Literatura mundial, que dá orgulho de ser brasileiro! Ainda que a genialidade maior da obra seja justamente retratar o brasileiro, através do herói Macunaíma, como um ser “sem nenhum caráter”...
A tese da ausência de caráter do brasileiro é apresentada em dois níveis. O primeiro é o caráter como uma espécie de personalidade, uma “entidade psíquica permanente, se manifestando por tudo, nos costumes na ação exterior no sentimento na língua na História na andadura, tanto no bem como no mal”, como define o próprio Mário de Andrade. E ele continua: “O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional”.
E então surge a sacação verdadeiramente genial: “Dessa falta de caráter psicológico, creio otimistamente, deriva a nossa falta de caráter moral. Daí nossa gatunagem sem esperteza (a honradez elástica/a elasticidade da nossa honradez), o desapreço à cultura verdadeira, o improviso, a falta de senso étnico nas famílias.”
É por isso que “Macunaíma” continua extremamente atual: embora tenha sido escrito em 1926 e publicado em 1928, continua botando o dedo na ferida de nossa identidade nacional, tão confusa e sujeita às apropriações mais nefastas. E não é à toa que esse seja um dos livros brasileiros mais estudados de todos os tempos, e que ainda hoje gere polêmica.
Em 1969 o livro ganhou uma versão cinematográfica igualmente genial:
https://youtu.be/DsMm3uG5iRU
A obra de Mário de Andrade já se encontra em domínio público e “Macunaíma” é facilmente encontrado em PDF:
http://bd.centro.iff.edu.br/bitstream/123456789/1031/1/Macuna%C3%ADma.pdf
Eu tive a sorte de ler uma esmerada edição da Agir, que traz ao final um “Dossiê Macunaíma”, contendo vários rascunhos do autor sobre sua obra, de onde extraí as seguintes pérolas:
“Quanto a algum escândalo possível que o trabalho possa causar, sem sacudir a poeira das sandálias, que não uso sandálias dessas, sempre tive uma paciência (muito) piedosa com a imbecilidade”.
“Quanto a estilo, empreguei essa fala simples tão sonorizada, música mesmo, por causa das repetições, que é costume dos livros religiosos e dos contos estagnados do rapsodismo popular. Foi pra fastarem de minha estrada essas gentes que compram livros pornográficos por causa da pornografia.”
“Não sei ter humildades falsas não e se publico um livro é porque acredito no valor dele. (...) Principalmente disso vem o orgulho tamanho que possuo e me impede completamente qualquer manifestação de vaidade.”
“Outro problema que careço explicar é da imoralidade. Palavra que seria falso concluir pela imoralidade e pela porcariada mesmo que está aqui dentro, que me comprazo com isso. Quando muito admito que concluam que me comprazo... com o brasileiro.”
E viva Macunaíma! Viva Mário de Andrade! Viva a Literatura Brasileira!
https://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2019/01/macunaima-mario-de-andrade.html
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