spoiler visualizarmonteiro 14/04/2023
Desagradavelmente sensível
Primeiramente deve ser dito que toda compreensão da obra seria prejudicada caso o autor tivesse escolhido qualquer outro título além de ?Angústia?, uma vez que apenas esta palavra é capaz de descrever fielmente o sentimento de entrar na mente perturbada do narrador.
Há delicadas nuances na escrita que trazem uma enorme curiosidade de haver no mínimo um rodapé de algum especialista que venha a dizer qual era a exata doença mental sofrida pelo personagem, já que ao se envolver em tantos sentimentos abordados e claramente descritos e repassados ao leitor fazem com que nós, de fora, queira nomear o que é exatamente que faz todos aqueles sofrimentos passados se tornarem realmente uma angústia.
Esta obra foi a primeira com narrativa de fluxo de consciência que li e devo dizer que Graciliano Ramos escreveu com maestria e genialidade as indagações do personagem. É chocante a capacidade do escritor abordar um acontecimento atual na vida do personagem e ligar suas características a acontecimentos passados e a sua infância e juventude sofridas e sujas.
Além disso, era capaz de absorver que em certos momentos se diminuía as voltas que o personagem fazia a sua memória, parecendo que quando este estava menos aflito e oprimido pela desgraça da vida do povo brasileiro nordestino no começo do século passado não havia tantas razões para sua mente o confundir entre o presente e acontecimentos passados. Isto fica ainda mais claro enquanto se caminha para a segunda metade da obra, na qual a paixão e encanto por Marina trazem uma versão muito mais carnal e menos mental de Luís. Porém, após o clímax e o auge de todos sentimentos de ódio envolvidos com o assassinato de Julião Tavares o leitor se sente realmente como uma pessoa em forte processo mental de perda de razão, tanto que as últimas páginas se concentram em descrever detalhadamente alucinações de origens diversas, todas escritas com uma habilidade impressionante e invejável.
Estudando um pouco sobre a repercussão da obra e a vida do autor se percebe que toda a feiura real descrita no cenário da história realmente demonstra o passado da pobreza brasileira. Quantos Luíses Pereira da Silva não existiram há uns 90 anos atrás e não odiavam igualmente a miséria em que viviam? Quantos não suportariam a hipocrisia de uma sociedade faminta e moralista?
Não basta muita reflexão para compreender que dos anos 30 para os anos 20 do século 21 o que talvez tenham sido as principais mudanças na sociedade brasileira seja que não há mais bondinhos ou necessidade de uma empregada doméstica quase escrava se informar sobre a cidade que não a convinha através de jornais. Agora, não faltam carros ou ônibus, muito menos internet ou meios de comunicação. Apesar disto, ainda permanece a feiúra espalhada pelos 5 cantos do Brasil. Fome, machismo e um catolicismo retrógrado permanecem fortes como a raiz da árvore que aguentou o corpo gordo de Julião Tavares morto pela ira de um 🤬 #$%!& sofrido e desgraçado.
Não me resta dúvidas da razão das principais bancas de vestibulares tratarem como uma leitura obrigatória, sei que muitas vezes a leitura é difícil ou chata, porém a sensibilidade ganha em perceber que muita desses motivos são que Graciliano nunca teve o objetivo de agradar o leitor através de recompensas e momentos felizes na obra, ele apenas escreveu com seu enorme talento o que era um homem doente em uma sociedade ainda mais doente.
Salve, Graciliano Ramos.