marianasampaio0 26/05/2021
CHINASKI: O PROTAGONISTA PROBLEMÁTICO
Poucos escritores têm prosa consistente para se tornarem referência na literatura e uma influência narrativa para gerações futuras, que permanecem à mercê do estilo do escritor. Um aspirante que lê Charles Bukowski pode se influenciar facilmente ou sair ileso de sua narrativa; uma sorte oportuna.
Cartas na Rua é o primeiro romance da carreira daquele que é conhecido como Velho Safado e exibe um excelente vigor narrativo. O estilo histriônico e seco, apoiado em mentiras plausíveis de um homem sincero demais, se baseia nas próprias vivências cotidianas do autor em histórias episódicas narradas por um alterego.
A simplicidade aparente da narrativa é uma armadilha para leitores desprevenidos que não dão credibilidade a uma história sobre um quarentão beberrão, bêbado e atraído por mulheres em geral. Um erro grosseiro. Bukowski e o alterego Henry Chinaski são personagens marginais que não têm vergonha de se exporem ao ridículo com sentimentos, porres e dores de corno. Homens que não deixam o choro preso na garganta, expelindo-o em palavras e acessos de raiva. Uma poesia raivosa que surge nesta obra a partir de histórias de um homem avesso a regras de costume e convenções e que trabalhou miseravelmente durante anos para a empresa americana de serviços postais.
Como carteiro, Chinaski narra uma América desencontrada e ri de si mesmo e das instituições a todo momento. Esta seria uma das explicações plausíveis para o reconhecimento do público perante o autor e o martírio de escritores tentando imitá-lo: sua prosa é um retrato real de uma vida comum, estagnada por desafios e preguiça. Um desalento que conquista leitores porque, em maior ou menor escala, reflete a sua própria insatisfação. A maneira de observar a vida passa pelo filtro da ironia e pelo desequilíbrio da consciência, transformada em doses de mal humor e de uma percepção de que o universo conspira contra o personagem.
Se Bukowski é referência literária com muitos fiéis, o autor também possuía seus deuses. Assim como aos canônicos Ernest Hemingway e Fiodor Dostoiévski, Buk nutria grande devoção a John Fante. Citado como uma das grandes inspirações, o ítalo-americano foi responsável pela maneira franca de narrar a própria história. O Velho Safado admirava a capacidade de Fante criar homens que não têm medo de demonstrar sentimentos. À sua maneira, compõe um perfil parecido: um homem modesto, sem muitas posses, que dedica boa parte de sua renda à bebida e mulheres, entregando-se de corpo e alma às suas experiências, sem medo de demonstrar vergonha ou insignificância.
É a sinceridade dilacerante que atrai leitores e outros escritores a imitá-lo. Em vez de esconder defeitos, seus personagens expõem as incongruências sem medo, pecando pelo excesso de ser irresistivelmente sincero. Nesta vida ébria, sustenta-se o escritor e poeta, que não vive sob máscaras de eu-lírico ou personagens, mas sim cuspindo dores do coração, entre versos bêbados sob influência das bebidas mais baratas que podia comprar. Um humano miserável que vê a poesia oculta no ordinário.
Bukowski fez de sua própria história a matéria para seus romances e ainda compôs contos e uma vasta carreira poética. Cartas na Rua representa o ponto de partida deste senhor, que paradoxalmente desistiu de uma vida ordinária para tornar-se um escritor que tratou feitos ordinários. Um dos motivos pelos quais sua narrativa permanece rica de interpretações.
O que me chateou bastante foi a forma como o autor não só normaliza, mas também romantiza a traição e o estupro...
O livro tem uma base humorística e com certeza desconhece o que é limite.
NOTA: 05/10