spoiler visualizarLarissa.Carvalho 13/11/2018
Esse livro apresenta-se como um tratado de Graciliano Ramos sobre alguns pontos centrais de sua vida.
Primeiramente, a arte, ou melhor, a própria literatura. Fortemente metalinguística, a narração começa com o personagem questionando a forma empregada na construção do livro; afinal, a literatura pode ser decomposta em diferentes fatores – como citações, pontuação, ortografia, enredo, etc. –, ou ela é a junção de todos estes, sem que seja possível desarticulá-los?
Paulo Honório parece entendê-la como uma simples fusão destes elementos e está inicialmente disposto a delegá-los a pessoas diferentes na construção de seu livro. A noção alheia, porém, de que a linguagem escrita difere, essencialmente, da falada, o desagrada. É a partir daí que, disposto a construir sozinho todos os elementos de seu livro, o narrador começa a sua história, escrita com a simplicidade e a fluidez da língua oral – o “brasileirês” de Graciliano Ramos, que entende que a história vivida difere tanto daquela que é contada quanto da que é escrita, porém que parece desejar aproximar as três. Ademais, é percebido um certo "desprezo" do personagem pela literatura ensimesmada, já que, segundo ele, o importante é o produto final, não o caminho em si, e a descrição de coisas "fúteis" à narrativa é desnecessária.
O livro é escrito em primeira pessoa e há flutuações na linearidade temporal, principalmente em momentos metalinguísticos, já que o narrador escreve não somente para quem o lê, mas também para si mesmo e, portanto retorna ao seu passado para evocar seu presente. Os personagens são inseridos de supetão, sem informações sobre aparência, muito menos introduções sobre quem são ou quem significam na trama - aos poucos se vai conhecendo quem eles são pelas histórias que o personagem-narrador nos conta, como se estivéssemos os conhecendo na vida real.
Durante todo o livro, Graciliano constrói não apenas um personagem, mas toda uma classe – a burguesia que ascende da miséria. Paulo Honório, sem pai, mãe e nem data de nascimento, portanto fadado ao anonimato, constrói seu capital a partir do oportunismo sobre outras pessoas, porém a partir do conceito de meritocracia, não considera que isto seja errado. Embora frio e calculista até mesmo diante da morte de seus inimigos, o personagem não deixa de formular uma boa aparência para si – construindo uma igreja e uma escola em São Bernardo –, o que denuncia o caráter hipócrita da religião e do Governo.
Desinteressado para com a educação, e o bem estar de seus funcionários, Paulo se mostra um homem que reduz todas as suas relações ao capital que elas podem prover, o que é demonstrado inclusive com seus amigos e com a própria esposa, já que seu casamento é arranjado como um “negócio”, apenas para que tenha um sucessor.
A relação do personagem principal com a imprensa denuncia também a parcialidade e o oportunismo desta classe à época, exibindo o que hoje trataríamos por “fake News”. Quando estas beneficiam Paulo Honório, porém, ele não se importa com o caráter parcial dos veículos de comunicação, pois não acredita em “liberdade de imprensa”. Ademais, o personagem se mostra também descrente na política, embora mantenha contato com o partido e seja extremamente hostil a ideais de esquerda.
No meio do livro, porém, há um capítulo melancólico em que Paulo alucina e vê seu passado. Esse capítulo apresenta uma ruptura que faz parte de sua decaída, a desconstrução seguida à sua ascendência, refletida na vida pessoal e nas finanças, com a perda de seu capital financeiro e social, e também com a queda de seu partido político de interesse. Durante essa queda, Honório assemelha-se ao Bentinho, de Dom Casmurro: desconfiado e paranoico, devido à sua extrema falta de confiança em si mesmo.
É a partir da ruína de Paulo Honório, representante da burguesia, que Graciliano então realiza seu “tratado político” sobre essa classe, finalizando o caráter extremamente denunciador e crítico da obra.