Karen 21/04/2023
Surpreendente, estonteante e atual. Contém spoiler sinalizado com começo e fim.
Quando ganhei esse livro no ensino fundamental, não dei nada para ele. Olhei para aquela capa com símbolo do governo de São Paulo e achei que seria muito chato, no meus longínquos 12 anos. Mas por bem sempre gostei de ter livros, então nunca me desfiz desse, mesmo achando que jamais iria lê-lo. Ainda bem que não me desfiz. Um espetáculo de obra.
Começo do SPOILER
A história acompanha a vida de Eugênio, um rapaz pobre que queria deixar de ser pobre (como muitos de nós temos vontades e sonhamos), só que ele faz o que for preciso para isso. Casa com uma pessoa que ele não gosta e deixa o amor da vida dele escapar pelas suas mãos, até que ela morre. A primeira parte do livro (de duas), são lembranças do Eugênio (em ordem cronológica), que está a caminho do hospital para se encontrar com Olívia, que pediu para ele ir vê-la. Já nas primeiras páginas é possível sentir a angústia da personagem só de sair de casa. Cada lembrança é ponto marcante em sua vida e ele sempre ressalta sua inferioridade (e de sua família) financeira em relação aos ricos. Erico Veríssimo consegue explicitar os sentimentos com muita riqueza. Eu sentia em mim a dor do Eugênio.
A segunda parte do livro se dá no encontro com o "presente" dele. Acabam as lembranças e ele chega ao hospital e a partir daí tudo muda. A história toma um rumo bem diferente do que na primeira parte - com uma transição, um amadurecimento da personagem principal, que faz a estória ser crível. Se a primeira parte retrata das lembranças e sentimentos do Eugênio, fazendo com que o livro seja um tanto intimista, demonstrando toda vulnerabilidade e fraqueza de Eugênio, na segunda parte não é assim. Quando Eugênio finalmente entende o que a Olívia queria dizer para ele, quando ele para de correr atrás de uma ilusão que ele criara quando mais novo, ele finalmente consegue prestar atenção na vida a seu redor. Eugênio, que é médico, começa a atender gente nos consultórios com todos os problemas possíveis. Têm discussões sobre ateísmo, saúde pública, nazismo e ataque a judeus, aborto...
Fim do SPOLIER
Isso em pleno 1938, ano em que foi escrito. Ano em que ocorreu a "Noite dos Cristais", nada mais nada menos do que o início do holocausto. Um ano depois começaria a Segunda Guerra Mundial. Só pela coragem de escrever um livro trazendo tais discussões ao público (lembrando que foi "Olhai os lírios do campos" que trouxe luz as obras de Veríssimo, sendo seu primeiro "Best-seller").
Particularmente sempre tive muita vontade de ter luxos, de ser "rica". Há algum tempo essa vontade foi diminuindo, talvez só a realidade sendo sentida e deixando claro que era só um sonho de criança, coisa que já estava praticamente esquecida em mim. No entanto, lendo essa obra, me recordei de meus desejos infantis e revendo a minha própria vida percebi o quanto realmente não são as coisas materiais que fazem diferença na vida. Sequer sinto falta de muitas coisas que já tive e hoje não tenho mais. Hoje percebo que existem tantas coisas mais importantes, não precisam ser as mesmas do Eugênio, mas o que traz real sentido a vida.
Uma obra belíssima, com boas reflexões e muita coragem. Obrigada Erico Veríssimo por ter escrito e governo estadual de São Paulo, por ter me DADO esse presente.