Rodrigo1001 21/02/2023
Estol (Sem Spoilers)
Título: Olhai os Lírios do Campo
Autor: Érico Verissimo
Editora: Globo
Número de páginas: 290
Foi com uma certa surpresa que li a autocrítica feita por Verissimo quanto ao seu quinto e um dos seus mais famosos livros. Em um primeiro momento, disse o autor: “?Posso afirmar que só depois do aparecimento de Olhai os Lírios do Campo é que pude fazer profissão de literatura”?.
Já em um segundo momento, o mesmo autor confessa o seguinte: “?Não tenho muita estima por este romance. Acho-o hoje um tanto falso e exageradamente sentimental”?.
Minha surpresa não diz respeito ao abismo entre as duas avaliações completamente antagônicas, mas sim por expressarem tão bem o sentimento que tive ao chegar na última página. Fiquei completamente dividido.
O principal ponto positivo de Olhai os Lírios do Campo é a estrutura narrativa da primeira parte da obra. Ocupando praticamente metade do livro, essa parte mostra o protagonista Eugênio se deslocando ao encontro de uma amiga de infância. Durante essa viagem, deveras angustiante e desesperada, a memória do personagem vai reconstituindo os acontecimentos passados, desde a infância de Eugênio até bem próximo da ação presente, até que eles expliquem completamente o drama vivido por ele. É elegante, pois o autor faz uso da combinação de dois eixos temporais na narrativa (técnica, inclusive, que seria usada anos mais tarde na escrita de seu outro livro O Tempo e o Vento). Bem escrita, redonda e empolgante, o livro decola e crava no leitor as garras da curiosidade. A velocidade de leitura aumenta.
O problema, então, vem na segunda parte. Pra usar de uma analogia, posso dizer que o livro entra em estol. Explico: quando um avião ultrapassa o limite máximo de inclinação, chamado de ângulo de sustentação máxima, ele entra em estol e perde sustentação rapidamente, ocasionando a perda de altitude. O estol acontece porque a inclinação impede que o ar circule sobre a parte superior da asa. E isso faz a aeronave despencar.
Pois é bem aí que falta oxigenação e que entra o sentimentalismo exacerbado, a filosofia salvacionista que coloca em xeque a qualidade do livro. O aprimoramento técnico da primeira parte é abandonado, o enredo se torna quase que inteiramente linear e, temo dizer, monótono. Tem-se uma incômoda impressão de se estar lendo quase sempre a mesma coisa. O leitor já sabe que se trata de uma redenção do personagem, mas se sente saturado por páginas intermináveis que tentam explicar o que já está muito claro. Se torna repetitivo, pra ser exato.
Por fim, o livro perde o brilho, inverte o movimento de curiosidade crescente e aterrissa em um pouso sem maiores emoções. Voo de galinha.
Dito isso, deixo um alerta: é evidente que a valorização temática de Olhai os Lírios do Campo oscila de acordo com as perspectivas do leitor e tenho certeza absoluta que para algumas pessoas esse é ou será o seu livro de cabeceira. Para mim, malgrado seja, não o vejo como nada além de uma literatura mediana, morna, que não é absolutamente ruim, mas que poderia ter sido muito melhor.
Leva 2.5 de 5 estrelas.
Passagens interessantes:
“Só foge da solidão quem tem medo dos próprios pensamentos, das próprias lembranças” (pg. 92)
“A vida começa todos os dias” (pg. 151)