Priscilla 20/08/2014E vamos a resenha de um livro que fala de Jesus Cristo escrito por um ateu. Só com isso já dá pra saber que é um livro que trata Jesus como completo humano e que é irônico e crítico em muitas coisas.
O livro conta a história de Jesus Cristo desde a concepção que é feita naturalmente até a sua crucificação, porém a história diverge da bíblia em vários pontos. Uma das coisas que me chamou a atenção foi a questão de costumes da época e um deles é o da mulher não ter nenhum significado ou valor naquela sociedade.
"Ao contrário de José, seu marido, Maria não é piedosa nem justa, porém não é sua a culpa dessas mazelas morais, a culpa é da língua que fala, senão dos homens que a inventaram, pois nela as palavras justo e piedoso, simplesmente, não têm feminino"
Outro ponto e esse pode revoltar os cristãos mais fanáticos é que Deus é um completo... troll. Saramago toca muito na questão do Deus do Velho Testamento ser tão diferente do Novo Testamento. O Deus "velho" era o Deus dos Exércitos, que prometia vingança, morte, matava crianças, dizimava povos, além disso pedia sacrifício de um animal branco, puro e sem marca. Já os Deus "novo" deixou tudo isso para trás, é o Deus de Amor e ainda despreza tais atos. Saramago coloca Jesus como o autor desse novo Deus.
"O cutelo subiu, tomou o ângulo do golpe, e caiu velozmente com o machado das execuções ou a guilhotina que ainda falta inventar. A ovelha não soltou um som, apenas se ouviu, Ahhh, era Deus suspirando de satisfação."
Como já citei, Saramago conta a história de um Jesus completamente humano, que tem desejos, ambições, sente raiva e amor. Não é puro ou santo e não foi escolhido por Deus, foi usado por ele. O mesmo se vê em Maria e agora isso pode revoltar também os católicos fervorosos, como na conversa abaixo com um anjo.
"— Então, o Senhor não me escolheu.
— Qual quê, o Senhor só ia a passar, quem estivesse a olhar tê-lo-ia percebido pela cor do céu, mas reparou que tu e José eram gente robusta e saudável, e então, se ainda te lembras, se como essas necessidades se manifestam, apeteceu-lhe, o resultado foi, nove meses depois, Jesus"
É um livro muito interessante que toca em bastantes, vamos dizer, feridas dos cristãos. Saramago tira e acrescenta várias passagens da história de Jesus e em várias delas há o tom irônico que coloca Deus e o diabo em patamares parecidos. Recomendo o livro, mas somente para aqueles que não são muito próximos de nenhuma religião que adora Jesus.
"— Então, servi-vos dos homens.
— Sim, meu filho, o homem é pau para toda colher, desde que nasce até que morre está sempre disposto a obedecer, mandam-no para ali, e ele vai, dizem-lhe que pare, e ele para, ordenam-lhe que volte para trás, e ele recua, o homem, tanto na paz quanto na guerra, falando em termos gerais, é a melhor coisa que podia ter sucedido aos deuses.
— E o pau de que fui feito, sendo homem, para que colher vai servir, sendo seu filho?
— Serás a colher que eu mergulharei na humanidade para a retirar cheia dos homens que acreditarão no deus novo em que vou me tornar.
— Cheia de homens, para os devorares.
— Não precisa que eu o devore, quem a si mesmo devorará."