leonardo.capis 23/06/2021
Romance do grande escritor Fiódor Dostoiévski, “Notas do subterrâneo” é mais uma dessas preciosíssimas joias da literatura russa, da qual, porém, ainda conheço muito pouco. Devo dizer que foi inevitável a impressão que o autor me deixou ao ler esta obra: a de que realmente fora um homem que sabia das coisas. Este livro me foi emprestado, mas é certo que comprarei um exemplar para mim.
O livro tem duas partes: a primeira – mais psicológica – o subterrâneo. Este é onde “habita” o narrador, um homem extremamente complexo que se desnuda para o leitor mostrando do que é feito esse seu “habitat”; nesse processo de exposição de si mesmo, mergulhamos em singularidades do comportamento humano degradante como: o isolamento social, a humilhação, a relação razão X vontade, a consciência, o prazer no comportamento vil etc. Já na segunda parte, o narrador fala sobre o seu passado, mais especificamente de períodos em que seu subterrâneo fora forçado pra fora.
O personagem/narrador é um perturbado, para dizer o mínimo, isso é um fato. Mas as incontáveis vezes que consegui identificar alguns de seus comportamentos e pensamentos, não somente em mim, mas também em outros conhecidos, foi também perturbador; talvez isso também seja uma das grandes provocações do autor para nós: que temos mais em comum do que pensamos ou gostaríamos de admitir.
Confesso que algumas vezes me peguei rindo da miséria do personagem, não pela sua miséria em si, mas da consciência que este tem do quão prejudicial e infeliz é seu comportamento que o leva tantas vezes a situações humilhantes (as passagens sobre o oficial que o ignora e o reencontro com seus “amigos” da escola são geniais).
Li esse livro duas vezes. A segunda vez, é claro, foi ainda melhor. É um romance curto, mas não tão leve de se digerir. Talvez não seja um livro do gosto de todos, talvez precise de um certo timing. Desnecessário dizer para aqueles que já conhecem melhor do que eu a escrita de Dostoiévski: é irretocável. Sua ironia é de uma elegância rara (às vezes me lembrava Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas; uma viagem minha?). A forma com que conseguiu discorrer sobre a complexidade das sensações deste personagem é memorável; vê-se aí que não estava dizendo nada da boca pra fora.
A obra é sobre uma perspectiva de uma das faces da mente humana que procuramos esconder, fingir que não vemos: o comportamento deteriorante, muitas vezes inexplicável racionalmente. As angústias do personagem passam uma verdade inconteste, pois se por um lado a obra é uma ficção, por outro está calcada na complexidade real da nossa psique. Indico para pessoas que gostem de psicologia e afins ou simplesmente para pessoas corajosas o suficiente para se reconhecerem com o personagem.
site: https://trincheirasdoocio.wordpress.com/2021/02/04/notas-do-subterraneo/