wedlaaa 17/08/2016
"Well, it’d be sort of like shootin’ a mockingbird, wouldn’t it?"
eu tinha dois livros favoritos de toda a minha vida, que sempre vinham à minha cabeça quando alguém perguntava qual era o meu predileto. até eu ler "o sol é para todos".
já havia assistido ao filme antes, e devo confessar que o filme não me tocou. não sei se foi por causa da minha vida emocional na época, ou da minha idade, simplesmente não me tocou. então eu já peguei esse livro tendo em mente que ele seria um clássico bem escrito, mas que não traria emoções que me fizessem lembrá-lo pro resto da vida.
eu estava enganada. muito enganada.
to kill a mockingbird, traduzido no nosso país como "o sol é para todos", cobre alguns anos da infância da nossa narradora jean louise finch (scout). os capítulos são narrados como memórias de uma adulta scout, relembrando sua infância no pequeno condado de maycomb, no alabama. scout vivia com seu irmão quatro anos mais velho jem, seu pai atticus, e a doméstica da casa, a negra calpúrnia.
sim, esse livro é sobre negros sob o ponto de vista de uma criança branca.
atticus, o pai que sinceramente todo mundo deveria ter, é designado para defender um homem negro acusado de estuprar uma mulher branca.
enquanto todo o condado passa a desprezar a família finch por causa da coragem de atticus em aceitar o caso, ainda temos a misteriosa e reclusa família radley, na qual um de seus membros, arthur radly, também conhecido como boo radley é motivo de muita curiosidade por parte das crianças, por simplesmente nunca sair de casa. e, quando eu digo nunca, é nunca mesmo. as crianças acreditam piamente que boo é uma espécie de entidade maléfica, e sempre passam correndo pela porta dos radley, com medo que ele apareça e faça maldades; entretanto, eles correm alguns riscos com o objetivo de ver como boo realmente é, e assim temos a nossa primeira parte do livro, com scout e principalmente jem e dill (um menino doce que sempre aparece nos verões e se torna amigo das crianças) arquitetando planos para tirarem boo radley de casa.
e então a segunda parte é sobre o julgamento do homem negro. enquanto a primeira parte do livro era completamente divertida de se ler, a segunda era extremamente penosa. não por ser ruim, mas por ser tão verdadeira que chegava a doer. sim, estamos em 2016 e os negros já conseguiram os "mesmos" direitos que os brancos, entretanto, a gente vê nos jornais que o negócio não é bem assim, com policiais brancos matando meninos negros sem motivos nos estados unidos, e o genocídio negro nas nossas periferias brasileiras.
ler sobre esse caso de racismo em específico doeu. bastante. porque é algo que você ainda hoje ouve dentro de casa de pais conservadores, de políticos que são eleitos para representar a sociedade (um certo deputado pastor que afirmou que os negros eram amaldiçoados por deus, ou um outro deputado que disse que seu filho nunca iria se envolver com uma mulher negra porque ele foi "bem criado"), e até por piadas de seus colegas de trabalho e, talvez, até por amigos. aquela piada "inofensiva", aquele "é só brincadeira" têm um peso social absurdo, e ainda assim a gente as reproduz.
e então temos atticus, em 1935, falando que pessoas nascem com privilégios, enquanto outras não; temos atticus falando que a palavra de uma pessoa branca vale 10 vezes mais que a palavra de uma pessoa negra, antes mesmo de se investigar o que realmente aconteceu. e essas coisas refletem o que a sociedade ainda é hoje em dia. e isso dói bastante.
mas não foi só o racismo que doeu ao ler esse livro. toda uma cadeia de opressão é belamente representada na história de harper lee. temos senhoras do alto escalão da sociedade chamando crianças de lixo, quando essas crianças, mesmo sendo brancas, são apenas pobres demais pra se sentarem à mesma mesa das crianças bem abastadas. temos professores, que deveriam educar, ridicularizando crianças pobres demais que não tinham dinheiro nem pra poderem ir com um sapato pra escola, indo descalças, ou ainda porque essas crianças não têm dinheiro para o lanche na hora do recreio.
esse livro foi um baque em todos os sentidos possíveis e você vê, gradativamente, a inocência de uma criança sendo destruída.
algumas pessoas podem dizer que jean louise tinha pouca idade para os pensamentos "profundos" que ela tem no decorrer da história, mas jean louise age naturalmente como uma criança, curiosa e sempre perguntando ao seu pai sobre coisas que ela não entende, e ele prontamente as responde de uma maneira que a criança possa entender.
para não me alongar mais, e concluindo, esse livro é uma obra de arte em todas as instâncias possíveis. foi o único romance que harper lee publicou (go set a watchman é outra história), boa parte baseado em sua própria infância. o desfecho da história de scout me deu uma emoção tão profunda que eu poucas vezes senti antes e lágrimas vieram aos meus olhos.
“You never really understand a person until you consider things from his point of view... Until you climb inside of his skin and walk around in it.”