Tiago 31/05/2016
O nome de Hemingway ecoa o cheiro de mar, pólvora e coragem. E foi com essas imagens em mente que peguei O Sol Também se Levanta para ler pela primeira vez, quando tinha uns dezoito anos. Eu esperava alguma aventura empolgante e cheia de significados nos moldes de O Velho e o Mar, que acabara de ler. Após a leitura de umas poucas páginas eu já estava profundamente decepcionado. Até a metade da história, tudo o que os personagens fazem é peregrinar de bar em bar bebendo, dançando e mantendo intermináveis diálogos que não são nem engraçados, nem inteligentes, apenas fofoca e conversa fiada de bêbado em fim de festa. Além disso, havia algo no estilo do autor que me incomodava, eu não sabia apontar exatamente o quê, mas seu modo de narrar me deixava irritado. Abandonei o livro sem pensar duas vezes e fui ler alguma outra coisa mais promissora.
Recentemente, ao esbarrar em muitas críticas favoráveis por mero acaso, resolvi dar outra oportunidade ao livro. Ao terminar a última página, minha opinião sobre o livro foi o exato oposto daquela de dez anos atrás. Imediatamente percebi o que no estilo de escrita do Hemingway havia me incomodado tanto: seu texto parece sempre incompleto, feito de frases curtas demais, como se alguém estivesse lhe contando uma história e subitamente mudasse de assunto, sem concluir. O fato de as frases serem curtas e simples, em si, não é o problema. Outros autores escrevem assim e não causam esse estranhamento: Stevenson, Fitzgerald, Chandler, Murakami. A questão em Hemingway é como as cenas, as ações dos personagens, suas opiniões e intenções são jogadas no ar sem contexto e sem maiores explicações. E a história segue, deixando ao leitor o esforço de preencher os vazios e indagar os significados. E ele faz isso de propósito.
Assim, numa converso logo no início do livro, um dos personagens, Robert Cohn, está insatisfeito e comenta com o narrador, Jake “Não me conformo, quando penso que minha vida vai passando tão depressa e não a vivo realmente.” Ao que Jake responde “Ninguém vive com a intensidade que deseja, exceto os toureiros.” E pronto, o personagem não explica o que há de tão especial nos toureiros, não desenvolve o raciocínio, e após Cohn dizer que “Toureiros não me interessam. Levam uma vida anormal.” e mais uma meia dúzia de frases, a discussão acaba e eles vão beber, sem chegar a qualquer conclusão. Além disso, Hemingway preenche suas páginas com muitas descrições insossas de coisas sem importância: o preço de uma bebida, o nome de uma praça atrás da outra, coisas do quotidiano feitas em sucessão, como tomar banho, fazer a barba, comer, etc. Tudo isso somado dá uma sensação de falta de substância à história, com longos períodos onde nada acontece e todos os personagens ficam tentando afogar suas desilusões e sua dificuldade de se comunicar em quantidades cada vez maiores de álcool. Portanto, é uma leitura arrastada e muitas vezes tediosa, pois os poucos acontecimentos ocorrem de forma muito sutil e esparsa.
Mas, apesar de todas essas críticas que eu teria a fazer ao livro, o que fez com que ele me agradasse nessa última leitura é que, em meio a toda sua falta de substância, ele dá peso a umas poucas perguntas fundamentais, como: “o que significa viver a vida intensamente?” “como pessoas comuns reagem a problemas insolúveis, que não conseguem esquecer?” E dá ao leitor o espaço para refletir sobre essas questões, enquanto o autor mostra como seus personagens lidam com elas: um tenta se sentir mais seguro e esquecer seus problemas gastando todo o dinheiro que não tem, outro opta pelo entretenimento e pela admiração da arte, outro por sair em sucessivas aventuras amorosas das quais se arrepende, e assim todos tentam parecer menos inseguros no teatro de interpretarem o papel de adultos sensatos, um teatro tão comum de se ver interpretado no dia a dia. E aí o livro entra no tema universal de que nem sempre o conhecimento que acumulamos nos prepara para os problemas que teremos que enfrentar, e tudo o que os homens buscam, às escuras, é uma verdade que os faça se sentir seguros em como viver. Um dos possíveis títulos do livro, que Hemingway acabou não utilizando, era outra passagem do Eclesiastes, que diz: “Pois quanto maior a sabedoria maior o sofrimento; e quanto maior o conhecimento, maior o desgosto.”
Nas palavras do narrador, Jake Barnes: “Julgo ter pago por tudo. Não como as mulheres, que pagam, pagam e repagam. Nenhuma ideia de retribuição ou de castigo. Uma simples troca de valores. Renuncia-se a uma coisa e recebe-se qualquer coisa em troca. Ou então, trabalha-se por alguma coisa. Ou pagamos sempre, de um modo ou de outro, por todas as boas coisas. Eu pagara por muito do que eu gostava e assim tive bons momentos. Paga-se, seja ouvindo falar dessas coisas, ou por experiência, ou correndo riscos, ou com dinheiro. Gozar a vida consiste em saber obter com dinheiro o mais possível. O mundo é um bom lugar para essa espécie de transações. Parecia-me uma boa filosofia. “Dentro de cinco anos”, pensei, “eu a julgarei tão tola como todas as outras boas filosofias que já adotei”. Contudo, talvez não fosse verdade também. Talvez, com o tempo, acabemos por aprender alguma coisa, pouco importa o que seja. Tudo o que eu desejava era saber como viver. Talvez, aprendendo como viver, acabemos compreendendo o que há no fundo de tudo isso.”