Ray of Light 14/05/2022
"Ele é metade da minha alma, como os poetas dizem"
Vou admitir que nas últimas semanas estive um pouco relapso e demorei para escrever essa resenha, o bom é que deu bastante tempo para refletir sobre a obra e trazer uma análise mais concisa sobre o assunto.
Um pouco da minha história com a autora: sou apaixonado pela sua obra posterior 'Circe', a ponto de querer ler tudo que ela publicar ou já publicou, e com 'A Canção de Aquiles' não seria diferente, até porque é sua obra mais famosa, e por muitos, considerada sua magnum opus.
Sob um olhar mais estrutural, a história é bem íntima, sendo contada inteiramente pelo ponto de vista do Pátroclo, o que limitou tanto a aparição quanto o desenvolvimento de alguns personagens. Não que as figuras míticas milenares da Ilíada precisem de algum desenvolvimento a mais, porém, em Circe, desde as mais breves como as mais recorrentes aparições carregam mais importância para o enredo do que a maioria dos personagens nesse livro, tirando os protagonistas, e o leve gosto de um arco na Thetis e na Briseida. Não acho que isso prejudicou o livro como um todo, mas mostra como a escrita desse é um pouco mais bruta que a obra posterior, mostrando que a autora só teve de evoluir.
A narrativa se projeta ao redor de Pátroclo e Aquiles, então nada mais justo que começar pelo desenvolvimento dos dois. Aquiles é filho de uma ninfa chamada Thetis, que foi obrigada a casar com um humano pois uma profecia dizia que seu filho seria maior que Zeus. Como o homem diluiu a divindade de Aquiles, o herói não ascendeu ao Olimpo, mas conseguiu o título de 'Aristos Achaion', o melhor dos Aqueus.
No começo eu achava a personalidade dele um pouco rasa e não conseguia nutrir muita simpatia por ele. Mas a verdadeira questão dele se inicia quando começa a Guerra de Tróia, o momento em que Aquiles assume sua celebridade e sacia essa sede por gravar seu nome na eternidade. Além do romance, para mim, o maior arco do herói na narrativa é mostrar, através de seu filho, como ser tocado pelo amor mudou seu destino.
Pela ordem, o próximo protagonista é o Pátroclo. E que homem. Primeiro, vou rasgar a seda: ele é empático, romântico, inteligente, guerreiro, sensível, bonito, e ainda por cima É MÉDICO. Seus faves jamais conseguiriam.
Piadas a parte, ele é o responsável por esse livro ser tão íntimo e charmoso como é, já que contar uma lenda tão catatônica como a Ilíada em uma escala menor sem deixar menos emocionante é uma tarefa difícil. Em alguns momentos, tanto o enredo, como a autora e o leitor são reféns da grandiosidade da trama, já que entre uma tragédia iminente somos obrigados a ficar esperando ela acontecer, o que compromete um pouco o ritmo da narrativa, mas não deixam de ser momentos recheados pela doçura de Pátroclo, reforçando a narrativa de transformação e amor entre o casal: Aquiles se tornou um herói melhor por causa do amor de Pátroclo.
Fazendo uma crítica mais particular, como homossexual, eu achei as licenças que a autora tomou para fazer o romance dos dois mais palpável de um tato e de um bom gosto que é muito mais sensível que inúmeros autores, alguns até LGBT+ já fizeram, acho que por isso tantas pessoas amam e se identificam com essa obra.
E é por causa dessas e muito mais, que esse livro é perfeito. Não quero dar spoiler, mas faço uma ode ao último capítulo, que é onde encontramos o auge da paixão da autora por essa temática, e que ela REALMENTE tinha algo para contar. Esse livro não é um simples fetiche ou uma releitura vazia para explorar o dinheiro do público queer. Com uma caneta, Madeline Miller transformou uma tragédia sangrenta em um casal icônico.