Jow 18/06/2012O descortinar da verdade.
“Nothing will be forever gone
Memories will stay and find their way
What goes around will come around
Don't deny your fears
So let them go and fade into light
Give up the fight here” Chasing the Dragon - Epica
Memória é uma evocação do passado, é a capacidade humana para reter e guardar o tempo que se foi, salvando-o da perda total, do esquecimento. A memória possibilita que guardemos o tempo que se foi, mas também permite que projetemos o futuro, já que sem ela não poderíamos ter consciência do tempo, muito menos da nossa identidade, e daquilo que construímos para ser o nosso “Eu.”
O ''Eu" é mais do que a lembrança, ele é a consciência superficial e profunda do que somos, pois, quando nós pensamos, reunimos lembranças do passado e projeções para o futuro, de forma que somos sempre o que passou e o que ainda virá.
A memoria é a garantia de nossa própria identidade e podemos dizer "Eu" reunindo tudo o que fomos e fazemos; É lá que guardamos as nossas vivências, repousando tudo o que a nossa mente foi entregue, que o esquecimento ainda não absorveu, nem sepultou. O grande poder da memória assusta como já dizia Santo Agostinho. Temos medo de esquecer o que de mal vivemos, mas igualmente temos medo de não lembrar a felicidade vivida. Somos essa misteriosa mistura de passado, presente e futuro. E é nessa máxima, que o genial Carlos Ruiz Zafón constrói o seu mais novo livro.
“O Prisioneiro do Céu” é a continuação do aclamado "A Sombra do Vento", mas me enganei ao pensar que outro dos seus livros, "O Jogo do Anjo", não possuiria uma influência tão direta neste volume quanto o seu antecessor - ele possui, e muita. É como se a narrativa dos dois tomassem caminhos separados, porém paralelos, culminando nos acontecimentos relatados neste livro.
Grande parte da leitura consiste em uma retrospectiva ao passado para que possamos conhecer aspectos importantes que não haviam sido abordados nos livros anteriores, mas que são de suma importância para nos fazer entender tudo o que está por vir. Conhecemos mais a fundo o passado do grande Fermín Romero de Torres, para finalmente tomar conhecimento sobre tudo o que aconteceu com ele durante os seus dias mais obscuros.
Nesta viagem ao passado, iremos mergulhar no dia a dia de uma prisão maldita, localizada num castelo acima da cidade onde aqueles que eram contrários ao regime militar espanhol eram relegados ao esquecimento para uma morte certa. As coisas assim funcionavam, até um grupo peculiar encontrar-se encarcerado ao mesmo tempo naquele lugar de misérias e mudar para sempre o rumo da história de cada um dos envolvidos. Na luz dos diálogos entre os prisioneiros, a trama criada por Zafón começa a tomar forma e os segredos escondidos na mente de Fermím darão ao leitor revelações surpreendentes e trarão a tona respostas avassaladoras para as pontas soltas presentes nos dois volumes predecessores.
Só um autor com extremo domínio de escrita conseguiria passear por tantas épocas distintas no tempo, e separá-las de forma tão inteligente em diferentes livros de uma série, que não importa a ordem lida, será igualmente entendida em todas elas. Cada uma dessas histórias quando reunidas contarão apenas uma só: a de personagens inesquecíveis, mergulhados em uma vida de mistérios e segredos familiares; o relato único de pessoas que se defrontaram com uma vida de escolhas e tiveram que carregar para sempre o peso das mesmas, cujas marcas assombrariam e mudariam o rumo das gerações seguintes.
A narrativa poética e dramática de Zafón adquire contornos eletrizantes rumo a um grand finale que tem tudo para ser épico. Difícil vai ser dizer adeus no próximo (e último) volume para alguns dos personagens mais marcantes que eu já conheci em toda a minha vida literária. Felizmente eles estarão sempre por perto, para qualquer leitor que queira se aventurar pelos corredores fantasmagóricos do maravilhoso Cemitério dos Livros Esquecidos.