Malu 14/01/2021
Um descrição ampla da Doença de Alzheimer
Esse é um livro escrito por uma neurocientista, que conhece profundamente o Mal de Alzheimer. Por isso, em muitos momentos as descrições não são apenas clínicas mas também dizem respeito a aspectos fisiopatológicos, isto é, biológicos da doença e a fármacos utilizados no tratamento. Com essa riqueza de ângulos apresentados, a leitura é convidativa para quem é leigo ou para quem estuda a área.
Ao adentrar na história, detalhes da vida de Alice (a personagem principal, diagnosticada com Alzheimer de instalação precoce aos 50 anos) nos fazem entender melhor o lado humano da doença, como ela afeta a vida das pessoas que são acometidas. E não haveria como ser diferente, pois uma doença só é entendida a partir de sua manifestação em pacientes.
A escolha por uma mulher inteligente e que lecionava em uma universidade antes de ser diagnosticada foi perfeita, pois pudemos acompanhar um processo de degeneração mais lento e muito mais consciente (e, portanto, explicativo) do que em uma pessoa com menos capacidade intelectual para compreender o que se passava consigo mesmo. Ao longo dos meses, vemos como Alice vai se desvencilhando do seu próprio cérebro (ou melhor, como o cérebro se desvencilha de Alice), perdendo habilidades na memória, cognição, atenção, linguagem... É uma progressão incômoda e dolorosa. E, por mais que já se espere que essa perda aconteça, as situações narradas são sempre surpreendentes, muito didáticas e muito comoventes.
Apesar da temática sensível, o livro não exagera no drama. Os momentos de maiores tensões emocionais não são forçados, surgem naturalmente e não pesam.
É uma ótima leitura para quem é da área, para quem já passou ou passa pela destruição do Mal de Alzheimer em alguém próximo e para os que são apenas interessados no assunto ou num livro instigante. Pessoalmente, como estudante de Medicina e neta de uma pessoa com Alzheimer, estou indicando para quase todos que conheço, hahaha. Com certeza já me marcou como uma das melhores leituras desse ano (e estamos em janeiro).
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¡¡¡¡ spoilers a seguir !!!!
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As posturas mais gritantes do marido de Alice, John, durante o livro demonstram negação, medo e às vezes indiferença. Por isso, passei o livro todo à procura de atos de amor e de compaixão que estivessem no fundo de tudo isso. Não é fácil ser o cuidador de alguém com demência, e essa não é uma perspectiva pessoal - existem diversos estudos que demonstram que os cuidadores entram em estados de fadiga mental e física. Mas, ainda que eu saiba disso, fiquei muito confusa em relação à simples cogitação de se mudar para Nova Iorque. Embora eu tenha conseguido não julgar John como insensível no decorrer da maior parte da história, quando cheguei nesse momento, me encabulei. Sinceramente, não sei bem o que pensar, ficaria muito feliz se alguém desse uma opinião nos comentários (:
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A respeito da pasta Borboleta, acredito que essa ideia abre espaço para discussões sobre suicídio assistido e eutanásia. Esses assuntos passam invariavelmente pelo conceito de vida e de qualidade de vida. E, mesmo diante de todo o sofrimento relatado por Alice, ela nos presenteia com uma definição belíssima sobre ao que a sua vida se "resume" depois do Alzheimer: ao agora. Será isso suficiente? Será isso mais que todos os ônus da demência? Quem pode dizer isso, o médico, o paciente (a pessoa doente - pois, antes de ser paciente, é um indivíduo), os familiares? Em alguma parte da história, Alice diz que não quer viver quando a balança pender mais para os lados negativos de si mesma e das suas relações. Mas aquele momento de amor, o cheirinho de bebê, a presença de "mulheres" agradáveis, com quem ela quer estar, isso também vale? Conta, mesmo que não seja uma experiência com todo o contexto compreendido? Se, nas palavras de Alice, a alma e o espírito encontram-se intactos, a vida está plena o suficiente para valer a pena ser vivida?
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Essas são perguntas para as quais não planejo ter respostas mas eu também ficaria muitíssimo feliz e agradecida se alguém desejar me presentar com seu ponto de vista.
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