Paulo 05/06/2021
Mikey. Brand. Dado. Gordo. Bocão. Stef. Andy. Jovens que moram nas Docas Goon e inspiraram gerações de adolescentes nas décadas de 80 e 90. Que não tinham medo do chamado da aventura e partiam com tudo rumo ao desconhecido. Os Goonies é, sem dúvida, alguma um fenômeno daqueles que não vamos conseguir explicar. Como vários outros desse período que surgiram a partir de uma ideia na cabeça. Quem imaginaria que uma história sobre sete adolescentes indo atrás de um tesouro de piratas e perseguidos por bandidos saídos de algum filme trash se tornaria uma das histórias mais cults da chamada "Década Perdida". A verdade é que o filme conseguiu incorporar os desejos de muitos de nós e colocou de uma forma honesta e verdadeira na tela.
O que temos nas mãos é um livro baseado em um filme. É o caminho oposto do que estamos acostumados a ver. Por essa razão o livro vai parecer corretinho demais. Ele segue o roteiro criado para o cinema e James Kahn tenta fazer alguma modificação estética aqui ou ali. Mas, em sua essência, é o filme transposto para o papel. A narrativa é feita em primeira pessoa por Mikey Walsh, salvo um capítulo em que vemos a partir da perspectiva do Gordo. Esse é um romance em primeira pessoa na sua mais pura ideia. O narrador se comunica com o leitor, como se estivesse nos contando a sua história. Não chega a ser um narrador não-confiável, mas é a perspectiva do Mikey sobre o que acontece na trama. Fora essa brincadeira de escrita criativa, achei o todo bem tranquilo de se ler, com algumas passagens que dão certa personalidade aos personagens. É como se nós os estivéssemos escutando de verdade. Embora a narrativa em si segue o padrão cinematográfico de três atos, com o início onde somos apresentados às motivações dos personagens, o desenvolvimento onde a aventura se desenrola e o clímax onde tudo se resolve. James Kahn não está inventando nada em cima do que já foi criado; é uma transposição.
As Docas Goon são o lar de Mikey, Dado, Gordo e Bocão e lá eles vivem mil aventuras. Mas, a especulação imobiliária chegou até lá e suas famílias vão precisar vender o local para a construção de um campo de golfe. O pai de Mikey trabalha em um museu ajudando a montar exposições. O dinheiro acaba não dando para impedir que empresários tomem o lugar. Às vésperas de sair de lá, Mikey e seus amigos estão ajudando a tirar algumas sobras de exposição que ficam guardadas no sótão de sua casa. Entre milhares de tranqueiras, Mikey encontra um mapa de tesouro de um pirata chamado Willie Caolho, uma espécie de lenda local. Muitas pessoas já tentaram encontrar o seu ouro que se supõe ficar em algum canto da cidade, mas ninguém conseguiu. Só que Mikey acaba conseguindo decifrar o local onde Willie supostamente teria enterrado suas riquezas. E os amigos partem em uma última aventura antes de todos serem separados. Mal sabem eles que no lugar onde eles pretendem ir, a gangue dos Fratelli decidiu se esconder após fugirem da polícia. A última aventura dos goonies pode estar repleta de emoções, perigos e recompensas.
Essa é uma narrativa sobre amadurecimento. Para todos os personagens. A busca pelo tesouro funciona quase como um ritual de passagem onde cada um deles vai precisar enfrentar seus medos e inseguranças. Mikey vai ter sua coragem e determinação testadas. E sua capacidade para inspirar outras pessoas. Já seu irmão terá seus medos confrontados e precisará agira para proteger aqueles que ama. Andy, por outro lado, precisa decidir quem ela é na verdade. Até mesmo o Gordo vai ter um momento para brilhar onde ele precisará deixar de lado suas mentiras para abraçar um lado que ele não imaginava existir dentro de si. A narrativa é repleta desses pequenos momentos reveladores como quando Mikey acaba beijando Andy e tem o seu primeiro contato verdadeiro com alguém do sexo oposto. E descobre dentro de si sentimentos contraditórios, não mais os de uma criança. Ao mesmo tempo ele precisa lidar com a situação de que Andy é a namorada de seu irmão. Estou citando mais os momentos de Mikey porque, afinal, ele é que nos conta sua história. Portanto estamos vendo tudo a partir do seu ponto de vista.
É muito divertido ler uma narrativa onde os vilões são simplesmente isso: vilões. Sei que hoje os leitores preferem mais antagonistas que tenham motivações ou desculpas apropriadas para fazer o que fazem, mas aprecio demais autores que são capazes de simplesmente criar vilões detestáveis. Como os bandidos que tentam assaltar a casa de Macauley Culkin em Esqueceram de Mim. Bandidos malvados que a gente acha nojento ou simplesmente dá boas gargalhadas. Isso é o que a Gangue Fratelli é. Cenas como o famoso cozido de peixe dado ao Gordo ou a luta de espadas mais para o final divertem. Podemos ter vilões que são só malvados; nem tudo precisa de uma explicação complexa para acontecer. Tem uma máxima em filosofia que diz que muitas vezes a solução mais simples é a correta. Hoje eu sinto que autores sentem receio de criar esse tipo de vilão. O cara que fala de seus planos malignos para todos escutarem; que tropeça numa casca de banana; que fala "maldiiiiiiiiiitos". E os Fratelli se encaixam perfeitamente na história dos meninos.
Os Goonies continua a ser uma história muito divertida. Acredito que o filme consegue passar melhor essa sensação para os espectadores, mas James Kahn consegue entregar um trabalho competente. Algo que nem sempre é possível se o autor não tiver uma boa sensibilidade a respeito do material original. Até porque o processo de adaptar um material audiovisual para o papel é bem mais complexo do que o contrário. Porque o autor precisa compreender que determinadas coisas ele não vai conseguir transportar como sons, música, tomadas de câmera. Sua imaginação precisa estar afiada para poder realizar essa transposição de uma maneira fiel.
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