Henrique Fendrich 15/08/2020
O livro dessa indiana me provocou muitas reações diversas e mesmos opostas ao longo da leitura. De início, ele me pareceu interessante. Depois, enfadonho. Depois, belíssimo. Depois, arrastado. Depois, empolgante. E cheguei a alguns momentos realmente brilhantes, embora nem sempre a linguagem mais poética da autora tenha penetrado nas minhas emoções.
É a história de dois gêmeos, um menino e uma menina (Estha e Rahel), mas também a história da mãe deles (Ammu), que as cria sozinha, e de Velutha, um “intocável”, vindo de casta tão desprezível na Índia que as pessoas sequer poderiam tocá-lo. Toda a história tem como pano de fundo a vinda de uma prima, Sophie Mol, porque é a partir da sua vinda e dos trágicos acontecimentos que se sucederam que a “História” se manifestou sobre essas vidas e definiu os destinos de todos da família – isso e também a perfídia da tia-avó Baby Kochamma.
Em meio à poesia da autora, sobressam-se características como o uso de letras maiúsculas para determinados substantivos, querendo-se com isso, aparentemente, expressar o grau de importância que teriam para crianças como os gêmeos – a autora se sai muitíssimo bem ao expressar o mundo infantil. Também há certos “refrões”, repetidos ao longo da trama e que, igualmente, expressam as ilações que as crianças são capazes de fazer entre as situações que vivenciam.
A trama também não é linear, as pessoas estão continuamente indo do passado ao futuro, e mesmo da morte à vida, o que também serve para “presentificar” a realidade e a consistência que eventos antigos ainda tinham para os personagens.
Um momento muito marcante é o encontro do menino Estha com o vendedor de refrigerantes no cinema, porque ali, naquele perturbador abuso que se verificou, também foi fechado mais um elo importante da terrível cadeia de acontecimentos que estava para se formar.
Entre os momentos que considero brilhantes está o da surra que Velutha leva de policiais, porque ali são feitas considerações psicológicas e sociológicas altamente revelantes, como se a autora tivesse conseguido desnudar as motivações ocultas por trás daquilo que, do lado de fora, nos pareceria apenas uma ocorrência banal da sociedade – e não é preciso viver em uma sociedade marcada por uma divisão tão estreita de castas para perceber o acerto das suas observações, já que também nós lidamos com situações similares.
O encontro entre Velutha e Ammu, entre um intocável e uma tocável, mas uma tocável de história pessoal tão sofrida, tem algo de apoteótico, e as descrições que a autora dá são algo de arrebatador.
Há ainda alguns dramas perpendiculares, que não chegam a desenvolver em sua totalidade, o do irmão paralítico de Velutha, o do líder comunista do local e mesmo o de Chacko, o tio dos gêmeos, o pai da pobre Sophie Mol, mas isso não é necessariamente algo ruim, antes mostram que a autora tem bastante a oferecer.
Dito isso, considero que vale a pena a leitura, pois, embora ela possa, de vez em quando, chegar às duas estrelas de avaliação, com frequência chega a quatro.