Francine 02/02/2011
A busca por sentimentos
http://acontadora.wordpress.com/2011/02/02/precisamos-falar-sobre-o-kevin-de-lionel-shriver/
A vida ganha uma encruzilhada cada vez que é preciso decidir alguma coisa. Chovia muito, o telefone não funcionava e Eva em sua casa, à espera do marido que estava muito atrasado ao ponto dela pensar que algo terrível tinha acontecido ao amor de sua vida. Ele demora, ele demora; e quando chega ela sente novamente a felicidade – que foi perdida na encruzilhada da escolha – ter ou não um filho. Ela decide ter o filho naquela noite. Decide por amor ao marido? Por querer ser mãe? Ou por que queria sair da encruzilhada? Ela queria sair da encruzilhada.
Eva era uma mulher americana, independente e feliz com o seu casamento e profissão até o momento em que resolve ter um filho, o Kevin que, aos 17 anos, realiza um massacre na escola. A partir daí Eva escreve cartas ao marido Franklin onde confessa, através de relatos cheios de detalhes e muita sinceridade, os momentos em que considerou o marido um babaca, que ela não amava Kevin e que queria sua vida sem filhos de volta:
Franklin, eu nunca me dera conta de quanta energia você gastava para manter a ficção de que, em linhas gerais, éramos uma família feliz, cujos problemas banais e transitórios só faziam tornar a vida mais interessante. Talvez toda a família tenha um membro cuja tarefa principal é fabricar essa embalagem atraente. Como quer que fosse, você havia renunciado abruptamente. De um modo ou de outro, já visitáramos essa conversa inúmeras vezes, com a lealdade habitual que faz outros casais irem para a mesma casa de férias todo verão. Mas, em algum momento, esses casais têm que olhar para sua casa de campo, dolorosamente conhecida, e admitir um para o outro: No ano que vem, teremos que experimentar outra coisa. (p. 403)
A escritora Lionel Shriver não deve ter escolhido o nome de Eva à toa: Eva, aquela que comete o grande erro, que pega a maça: “Eu nunca havia desejado, de maneira tão plena e consciente, nunca ter parido o nosso filho. (…) Mas teria que viver. Eu havia criado minha própria Outra, que, por acaso, era um menino.” (p. 404) A princípio, talvez, seja impossível gostar de Eva, pois parece que ela fez tudo errado, mas no desenrolar da história – que ela mesma conta através das cartas – é possível uma grande afeição por ela. Eva é uma mulher orgulhosa e quando ela se vê em situações que, pelo que todos dizem, ela deveria sentir-se mãe, ela não sente nada. E toda a história dela com o Kevin é uma busca por querer ser mãe e não conseguir, simplesmente porque ela não sente e não se engana com isso, diferente do pai que finge que a família é perfeita. Eva assombra a vida dele quando afirma que Kevin é uma criança incomum, as situações em que ele apronta são complicadas, fortes e macabras, mas o pai acredita que é coisa de adolescente e implicância de Eva.
Lionel Shriver poderia cair no comum, utilizando fatos que ocorreram nos EUA para vender sua história, mas em nenhum momento ela trilha nesse perigoso caminho, o livro Precisamos Falar Sobre o Kevin é uma história sobre aceitar sentimentos e a falta deles. É um livro muito sincero, honesto, denso e envolvente. Porém, o mais difícil mesmo é conseguir falar sobre o Kevin e a personagem Eva caminha nessa estreita estrada nas 463 páginas do livro, tentando buscar um motivo, um sentimento, tanto dela quanto de Kevin.
Talvez os grandes mestres da psiquiatria, os grandes psicólogos, terapeutas ou sabe-se lá quem mais, desvendem a mente de um assassino e mostrem onde tudo começa e o mais importante: se um dia termina. Kevin é uma pessoa fria, calculista, cínica, e manipuladora. Com o pai, Kevin se comporta exatamente da maneira que Franklin deseja: um filho que acha o máximo tudo o que o pai diz e faz. Com a mãe ele não usa máscaras, e mostra todo o seu lado exibicionista cruel que torna a relação dos dois muito complicada, sem carinho, apesar de verdadeira. O impasse de Eva é: por que ele é assim? O livro é perturbador, Lionel Shriver tem uma escrita poderosa que nos faz pensar muito sobre o papel da família, a violência nas escolas e a maternidade.
A autora é americana, nasceu em maio de 1957 com o nome de Margaret Ann Shriver, mas ela quis mudar para Lionel por achar este nome mais sonoro. Precisamos Falar sobre o Kevin foi recusado por vários agentes literários e mais de 30 editoras, mas hoje é um livro premiado, traduzido em diversos países e vai ganhar uma versão no cinema.