Bruno 31/07/2016
Danny agora é Dan
Apresentação
Olá, nessa resenha falaremos um pouco sobre a continuação de uma das maiores e mais aclamadas obras literárias do mestre do horror, Stephen King.
A ideia da continuação de O Iluminado partiu em um tour de promoção do livro Saco de Ossos, no qual durante uma sessão de autógrafos, um cara qualquer perguntou ao autor:
"- Ei, você faz ideia do que aconteceu àquele garoto de O iluminado?"
O autor mesmo afirma que já tinha pensado nisso, como também pensava no que teria acontecido com o pai perturbado de Danny se ele tivesse descoberto o Alcoólatras Anônimos, em vez de tentar se virar com a chamada "sobriedade de alta tensão".
Stephen também menciona como a ideia o perturbava, pois sempre existiria comparações entre as obras, o que elevava o nível de insegurança no momento de escrever. Comparações, neste caso, são inevitáveis, mas O Iluminado e Doutor Sono são duas obras completas, boas e totalmente distintas. O que elas tem em comum? Foram escritas por um cara genial, um exímio contador de histórias.
Venham, voltem ao Hotel Overlook e conheçam o futuro do garoto Danny Torrance, o Iluminado.
Resenha
O garoto sobreviveu aos acontecimentos do inverno no Hotel Overlook. Com sequelas físicas e mentais, sua mãe e ele vivem com uma generosa quantia de dinheiro vindos de uma indenização pela explosão da caldeira do hotel. Os fantasmas que o assombravam no Overlook se mudam junto com a família, e mesmo morando a milhares de quilometros de distância, o garoto ainda é perseguido pelos velhos e horripilantes hóspedes do hotel.
“--- Uma hora se percebe que não adianta ficar mudando de lugar. Que você se leva para onde for.”
No salto da história, o garoto cresce. Danny não é mais Danny. É Dan. O protagonista, para seu próprio desespero, se descobre a figura do pai: Alcoólatra incontrolável e com um temperamento agressivo e auto destrutivo. Com inúmeras brigas de bar e diversos apagões pelas bebidas, Dan acaba fichado na polícia. Diferente do pai, ele encontra na bebida uma saída para suprimir os poderes da iluminação. Com pesadelos terríveis e visões que misturam o real e o irreal, Dan não aguenta a pressão e cede ao alcool, até que chega ao fundo do poço.
“--- A mente era um quadro-negro. E a bebida, o apagador.”
Escrever mais sobre a história comprometeria a experência do leitor interessado. Demorei a ler por ser do grupo que era contra a continuação. Pensava eu que O Iluminado já era uma obra fechada e que a história de Danny e de sua família fora bem contada. Encontrei nas primeiras páginas um livro muito assustador e sombrio, o que me deixou empolgadíssimo do que estava por vir. Mas Danny cresce e a partir daí o livro muda de tom. O sombrio desaparece de imediato, e acabamos acompanhando um tipo diferente de história, muito mais puxado para um suspense do que para um livro de horror psicológico.
Isso é ruim? Não achei. Por quê? Pelo simples fato dos personagens serem muito, mas muito bons. Durante essa saga de Dan, somos apresentados a uma fantástica criação do Mestre King. Abra Rafaella Stone é uma criança iluminada, uma personagem muito bem construída e cujo poder é imensamente maior ao que Dan experimentara quando ele próprio era criança. Mesmo vivendo com esse enorme dom, Abra, ou Abba-Du, como é carinhosamente chamada pelos pais, tembém vive o terror de ser adolescente. Com coisas estranhas que acontecem ao seu redor, a garota tenta ao máximo não deixar seus pais sentirem seus anseios e evita em demonstrar seus poderes por saber o quanto de medo isso gera em ambos. Aliado a isso, tem o fato de Abba-Du se sentir sozinha, pois enquanto cresce se vê com poderes únicos, no qual em sua cabeça, apenas ela os possui.
O entrelace dos personagens, a partir do momento em que Dan a conhece se desenrola de uma maneira muito natural. Ele próprio se tornou uma pessoa muito carismática ao crescer. Foi muito facil gostar dele como gostávamos no primeiro livro e isso foi um grande alívio para mim. As vezes, gostamos deixar as coisas no passado para não estragar nossas experiências, mas não foi esse o caso com o nosso protagonista. Dan vira para a garota o que Dick Halorann foi para ele um dia. Um mentor. E as cenas de poderes partilhados e a iluminação sendo usada por dois áses do assunto trazem uma dinâmica muito poderosa para a narrativa. Abba-Du, como Dan, cresce e aos olhos de todos vira Abra Stone, um um ser de poderes e forças inimagináveis.
"--- Só que ela é muito, muito mais forte. Eu já sou bem mais que Billy, e ela me faz parecer um vidente de quermesse."
O ponto alto foi a introdução do lado vilanesco da história. O grupo conhecido como O Verdadeiro Nó, liderado pela lindíssima Rose O'hara, a Cartola. Um enorme grupo de nômades que parecem ciganos pelo fato de viverem em trailers e nunca em um ponto fixo. Itinerantes, sempre seguem pessoas iluminadas a fim de sugar a energia vital, na qual eles intitulam de “Vapor”. Essa introdução de vampíro psíquico, é um excelente ponto, pois o grupo se mantém imortal enquanto consegue se alimentar, e muitos detalhes do longínquo passado dos seus membros são jogados através dos capítulos. Outro ponto forte são os codinomes de cada participante desse poderoso grupo. Temos o grande ancião, Vovô Flick, cuja idade é desconhecida, mas sabe-se que está vivo desde a idade média. O rastreador de iluminados, Barry China age sempre como batedor. Jimmy Contas é um expert de aparatos tecnológicos. Andi Cascavel utiliza de um raríssimo e poderoso dom da hipnose e Papai Corvo, o charmoso e porta-voz do grupo, sempre seguindo na linha de frente de todas as negociações do grupo. Ao contrário dos ciganos, o Verdadeiro Nó é um grupo bilionário, apoiado por diversas empresas de fachada, sempre com documentos legais e que vivem sempre dentro da lei com o intuito de nunca chamarem a atenção.
“--- A vida era uma roda, seu único dever era girar, e ela sempre voltava ao ponto de partida.”
Doutor Sono agrada desde que você não busque comparar os dois livros. Sente e encare esse como mais um livro. Um livro com um pequeno diferencial de que você já ouviu falar sobre esses personagens antes. A única crítica que tive é sobre a mudança de tom. Embora o conceito do Verdadeiro Nó seja um pouco assustadora, a forma que é descrita não amedronta, tornando o livro um bom suspense com elementos sobrenaturais, mas nada que te faça perder o sono.
E vocês? Gostaram da continuação de O Iluminado? Acham que King deveria repetir a dose e dar a algum dos seus clássicos mais uma continuação?
“--- Eu mudei as coisas. Precisava mudar. Sabe por que? Porque agora é diferente. Porque o passado passou, embora defina o presente”
Quero aproveitar para parabenizar a arte de capa da Editora Suma de Letras. O tom de vermelho usado e as fontes em forma de vapor deram um toque especial no livro, mas ainda temos um sonho de vermos os livros de King em capa-dura, como as excelentes edições americanas.