Javalis de Chernobyl 11/11/2024
“Cem, 150 anos depois, Menocchio provavelmente teria sido trancado num hospício, e o diagnóstico teria sido ‘tomado por delírio religioso’. Todavia, em plena Contrarreforma, as modalidades de exclusão eram outras - prevaleciam a identificação e a repressão da heresia.”(pág.38)
Ginzburg defende a ideia de “circularidade cultural”, vinda de Bakhtin. Onde a alta (classes dominantes) e a baixa (classes subalternas) cultura se influenciam em uníssono. A grande personalidade deste livro, o moleiro Menocchio, é prova dessa circularidade, cujo tempo em que vivia era demarcado pelas tensões culturais e políticas da Reforma Protestante e pela difusão da imprensa, numa Europa ainda pré-industrial. Ginzburg pressupõe uma poderosa cultura oral na Itália neste período.
O livro narra a história do moleiro italiano Domenico Scandella, queimado pela inquisição após décadas de comentários heréticos na vila em que vivia. Considerado "heresiarca" pelo Santo Ofício, o julgamento de Menocchio constitui a principal fonte na qual Ginzburg traça a história do moleiro.
Ele também fala do conceito de “cultura primitiva”, ou seja, a cultura que se cria e se cultiva alheia à “cultura vigente”. Então ele entra na constante discussão sobre influência cultural: Até que ponto a cultura da classe subalterna está subordinada à cultura dominante? É possível falar em circularidade nesses termos? Segundo ele, essas questões se devem ao fato de haver uma concepção um tanto quanto “aristocrática” de cultura, onde ideias “originais” são, por definição, concebidas na classe vigente.
Algo que é louvável no trabalho de Ginzburg aqui é a reconstituição da persona de Menocchio, personagem histórico que causa empatia, que pode ser sentido vivo pelos leitores, graças à escrita de Ginzburg, e principalmente da pesquisa minuciosa que fez sobre sua vida.
Chama atenção a “curiosidade” do juri inquisitorial em relação à cosmogonia de Menocchio, as perguntas que eles faziam no interrogatório de forma a buscar a entender a visão do moleiro, e o próprio ato de registro daquelas ideias. Numa época de intolerância e de guerras religiosas, me pareceu fora do comum.
Ele também compara muito a vida de Menocchio a um contemporâneo, Montaigne, e as reações de ambas as perturbações da relativização cultural e religiosa de uma sociedade europeia no início da Era Moderna.