Nessa Gagliardi 23/06/2010Eu chamo de amorOs professores de ensino fundamental e médio deveriam ser processados por causar tanta repulsa à literatura brasileira nos alunos. Eu fui uma das vítimas, e tento até hoje não me deixar influenciar por isso.
Ainda bem. Caso contrário, teria perdido essa preciosidade.
Meu primeiro livro do Marçal Aquino e estou até agora tentando encontrar as palavras para descrevê-lo.
Pra começar o cara deveria ganhar um prêmio já pelo belíssimo título. Aliás, um dos melhores que vi nos últimos tempos.
O livro é real, factível e ao mesmo tempo surreal, filosófico, louco.
Não há heróis ou bandidos. Deturpam-se as emoções e os conceitos morais a todo momento. Desgostamos do pastor e ignoramos o pedófilo. Lavínia, a protagonista, é um furacão de altos e baixos e Cauby é um apaixonado, "O" apaixonado.
Marçal ainda inventa um filósofo renomado, Schianberg, como personagem que arrepia a cada citação.
Alguns trechos lindos do livro:
"Queremos o que não podemos ter, diz o professor Schianberg, o mais obscuro dos filósofos do amor. É normal, saudável. O que diferencia uma pessoa de outra, ele acrescenta, é o quanto cada um quer o que não pode ter. Nossa ração de poeira das estrelas."
"De acordo com o professor Schianberg (op. cit.), não é possível determinar o momento exato em que uma pessoa se apaixona. Se fosse, ele afirma, bastaria um termômetro para comprovar sua teoria de que, nesse instante, a temperatura corporal se eleva vários graus. Uma febre, nossa única sequela divina. Schianberg diz mais: ao se apaixonar, um 'homem de sangue quente' experimenta o desamparo de sentir-se vulnerável. Ele não caçou; foi caçado"
"O que acontece é que, quando estou com você, eu me perdôo por todas as lutas que a vida venceu por pontos, e me esqueço completamente que a gente como eu, no fim, acaba saindo mais cedo de bares, de brigas e de amores para não pagar a conta. Isso eu poderia ter dito a ela. Mas não disse."
É daquele tipo de livro que se pega e não quer mais largar. E dá-lhe romance, drama, comédia e sexo. Não daquele vulgar, mas o sensual, íntimo.
E cada amante, apaixonado, se identifica em algum pedacinho do livro.
"Uma reserva de sonho contra tudo o que não é doce, sutil ou sereno. É o mais próximo da felicidade que podemos experimentar, sustenta Schianberg.
Não sei que nome você daria a isso.
Bem, não importa muito, chame do que quiser.
Eu chamo de amor."
Eu também, Marçal, eu também.