Gabriel 09/10/2020
Sobre a brevidade da vida
Quando eu estava no ensino fundamental, acreditava que ao chegar no ensino médio, minha vida seria muito melhor e divertiria-me mais, porém isso não aconteceu. Do ensino médio, olhava para o ensino superior e sonhava que ao atingi-lo sentiria-me completo, mas isso também não aconteceu. Agora no ensino superior, olho para o futuro, em que me vejo empregado, e acredito que somente assim que isso acontecer vou me sentir feliz e mais realizado, e novamente, estou a espera de que o bom da vida ainda vai começar. É exatamente sobre isso que o livro vai discutir: sempre olhamos para o futuro pensando que ele será melhor, que coisas gloriosas nos esperam, mas esse futura chega, e essa sensação de incompletude sempre continua. Principalmente em nossa época em que somos bombardeados com várias inovações tecnológicas, e sonhamos com um emprego maravilhoso e com novas aquisições. E achamos que vamos nos sentir satisfeitos apenas quando obtê-las. Aí vai surgindo outras e outras, e nesse ciclo, a satisfação nunca é atingida. Diante disso, não percebemos que vamos jogando o nosso presente no lixo, pois gastamos muito tempo com projeções. E o tempo vai passando, rápido demais, e a juventude vai se esvaindo entre nossas mãos.
Giovanni Drogo é o personagem principal do livro. Em um certo dia, é designado para trabalhar em um forte, chamado Bastiani. Em um primeiro momento, ele não quer continuar na fortaleza, mas permanece pois acaba nutrindo o sentimento de que ali aconteceria coisas gloriosas, no seu caso, ele sonhava com a guerra. No entanto, passam-se anos e a guerra não acontece.
“Assim, Drogo sobe mais uma vez o vale do forte e tem quinze anos a menos para viver. Infelizmente ele não se sente muito mudado, o tempo passou tão veloz que a alma não conseguiu envelhecer. E, mesmo que a angústia obscura das horas que passam se torne cada dia maior, Drogo persiste na ilusão de que o importante ainda está para começar. Giovanni aguarda, paciente, a sua hora que nunca chegou, não pensa que o futuro se reduziu terrivelmente, não é mais como antes, quando o tempo vindouro podia parecer-lhe um período imenso, uma riqueza inexaurível que ele não corria nenhum risco em esbanjar”.
A guerra era tão ansiada por ele, que acabou esquecendo de viver o presente. Deixou a família e os amigos de lado, para continuar a acreditar que ela um dia aconteceria, e que a partir disso finalmente ele viveria essa glória. Sacrificou a sua vida, em nome de uma projeção, que apenas tirou a sua juventude.
“E com mais de quarenta anos, sem ter feito nada de bom, sem filhos, realmente só no mundo, Giovanni olhava espantado à sua volta, sentindo o próprio destino declinar”
A guerra, acredito que foi uma metáfora que Dino Buzzati utilizou para representar os nossos sonhos mais desejados, porém o mais interessante, é que ela ganha uma importância tão grande para para o Giovanni: foi a forma que ele encontrara para dar sentido à vida.
“Era evidente que as esperanças de outrora, as ilusões guerreiras, a espera do inimigo do norte não passavam de um pretexto para dar um sentido à vida”
O livro também consegue tratar de questões bem profundas. As vezes, pego-me pensando, em meio a monotonia da vida, sobre quando é que a minha vida vai começar a ser interessante, e quando ela realmente valerá a pena ser vivida. E quando sinto que o tempo vai passando cada vez mais veloz, e que não vai dar tempo de ser feliz. Esse trecho representa muito essa sensação:
“Há algum tempo, de fato, uma ansiedade, que ele não conseguia entender, o perseguia sem descanso: a impressão de que não daria tempo, de que alguma coisa de importante aconteceria e o pegaria de surpresa”.
Gosto de livros que tem esse poder de desvendar as profundezas da nossa própria alma. Além disso, o livro tece lindas e poéticas considerações acerca do tempo:
“Tudo se esvai, os homens, as estações, as nuvens; e não adianta agarrar-se às pedras, resistir no topo de algum escolho, os dedos cansados se abrem, os braços se afrouxam, inertes, acaba-se arrastado pelo rio, que parece lento, mas não pára nunca”.
Nesse trecho, eu lembrei de O pequeno príncipe de Antoine de Saint-Exupéry, quando o príncipe descobre que a sua flor é efêmera, ou seja, que “está ameaçado de desaparecimento iminente”. Não somos tão diferentes da flor, somos igualmente frágeis e com a vida breve.
O livro também tem um excelente trecho, sobre a solidão:
“Justamente naquela época Drogo deu-se conta de que os homens, ainda que possam se querer bem, permanecem sempre distantes; que, se alguém sofre, a dor é totalmente sua, ninguém mais pode tomar para si uma mínima parte dela; que, se alguém sofre, os outros não vão sofrer por isso, ainda que o amor seja grande, e é isso o que causa a solidão da vida”.
Enfim, para mim, esse livro sublinha a importância de valorizarmos o nosso presente, pois é somente ele que nós temos. Ou melhor, vivê-lo intensamente. É claro que devemos ir em busca daquilo que nos faz sonhar, porém nunca devemos deixar que isso nos afaste da vida que acontece. Apenas o presente é nosso, o futuro é incerto. Assim, não é interessante achar que será feliz apenas quando tiver ou for algo, no entanto, essa felicidade deve ser buscada no hoje. A gente encontra ela a partir das coisas mais simples e ao lado das pessoas que amamos. Não é atoa que o presente se chama presente.