Enzo.Makihara 14/10/2023
Muralhas, palavras e amor
É o primeiro livro do Saramago que leio, com certeza não será o último, ainda que tenha levado algumas páginas para assimilar o estilo do autor, sem pontuações. Não creio possuir a percepção para resenhar com profundidade um autor da envergadura de José Saramago, mas vão aqui algumas considerações sobre o que penso ser principal:
A narrativa, muitíssimo bem trabalhada, brinda o leitor com reflexões prolixas advindas de situações cotidianas, que em muito enriquecem a psiquê dos personagens e conduzem a história, não sendo as reflexões um apêndice, mas uma parte intricada do enredo a ser contado.
E o enredo, este muito simples à primeira vista, trata da história de Raimundo Silva, um revisor que, durante a correção de uma obra científica sobre o cerco de Lisboa, propositadamente afirma que ?os cruzados NÃO ajudaram no cerco?, criando uma evidente contradição na história. Esse ato de rebeldia, inconformação e inquietude, inédito em toda a carreira de Raimundo, lhe rende uma forte reprimenda da diretoria da empresa, que o coloca sobre a supervisão de Maria Sara, nova chefe dos revisores, contratada especialmente em função do erro voluntário.
Apesar do primeiro contato pouco amigável entre Maria Sara e Raimundo, é criada uma tensão entre ambos que escala de forma romântica: um amor entre dois adultos que viveram vidas inteiras antes de se conhecer e, agora se conhecendo, atraem-se mutuamente. Nota-se que, à despeito da breve obsessão de Raimundo por sua superiora hierárquica, Maria Sara é quem toma todas as iniciativas, e praticamente conduz sozinha a aproximação e a relação que passará a ter com Raimundo; também surge dela a ideia de escrever uma história fictícia sobre o Cerco de Lisboa, uma em que os cruzados de fato recusam ajuda aos portugueses, instigando o Revisor que, investido nessa nova empreitada, passa a arquitetar um livro em que as muralhas da cidade ocupada por mouros sejam derrubadas, mesmo diante do fantasioso ?Não?. A partir disso, Raimundo cria um romance entre os personagens de sua história, Mogueime e Ouroana, que representam o autor e sua companheira, e concomitantemente desenvolvem-se as tramas, tanto a escrita por Raimundo Silva, quanto aquela escrita por Saramago.
No fim, o livro trata sobre como um simples Revisor foi capaz de derrubar barreiras com uma única palavra negativa, e sucessivamente foram caindo os muros, sociais que o separavam de sua paixão, consuetudinários que o separavam de uma vida propriamente vivida e os de pedra que protegiam os mouros fictícios dos portugueses inventados. Não é estranho, portanto, que tratando de vários temas, acabe por tratar de um só, afinal,
?[?] cada um de nós cerca o outro e é cercado por ele, queremos deitar abaixo os muros do outro e continuar com os nossos, o amor será não haver mais barreiras, o amor é o fim do cerco.?