Aione 18/08/2020Tinha curiosidade para ler A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert há muito tempo, vontade que foi intensificada depois de ter lido outro romance policial de Joël Dicker, O Desaparecimento de Stephanie Mailer, e ter amado a leitura.
O famoso escritor Marcus Goldman está desesperado. Após o sucesso estrondoso de seu primeiro livro, ele não consegue escrever o segundo, e a angústia piora conforme o prazo de entrega do manuscrito dado por seu editor aperta. Prestes a desistir e aceitar um processo judicial por quebra de contrato, uma reviravolta acontece: seu amigo e mentor Harry Quebert, escritor renomado, é preso, acusado de ter assassinado uma jovem que desapareceu 33 anos antes. Acreditando na inocência do amigo, Marcus decide investigar o caso — e encontra nele o tema de seu livro.
A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert é o típico livro de múltiplas narrativas: presente e passado se mesclam aos acontecimentos contados tanto em primeira pessoa, pela perspectiva de Marcus, quanto em terceira, aproximando-se da visão de personagens diferentes e dando mais amplitude ao caso construído. Com isso, os capítulos vêm e vão, fazendo da história mais complexa e dificultando a união das peças que formam esse quebra-cabeça.
Apesar da leitura ser fluida, ela não foi frenética desde o começo, como no outro livro do autor, que me fez devorá-lo logo nas primeiras páginas. Aqui, ainda que eu estivesse interessada pela história e envolvida com ela, fui avançando de forma mais calma, ao menos na primeira parte do romance. Essa primeira parte é dedicada a reconstituir o verão de 33 anos antes, quando a jovem Nola desapareceu, e, por isso, é mais monótona em relação às demais, especialmente por apresentar a vasta gama de personagens e situações a partir das quais o caso se desenvolverá. O que confere agilidade à trama nesse momento são os retornos ao presente, no qual Marcus se vê cada vez mais pressionado e desesperado para escrever seu livro. Na segunda parte, já próxima à metade, o ritmo começa a acelerar com as primeiras reviravoltas. A partir da terceira, foi impossível interromper a leitura: estava ávida pelas revelações e estupefata com as contínuas surpresas que o enredo continuou entregando. Ao chegar ao final, me senti admirada pela habilidade do autor em construir uma trama tão complexa e bem amarrada, que fez valer a leitura.
Há outros elementos que fizeram de A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert uma experiência positiva. Como o romance fala do processo de escrita de um livro e traz escritores como personagens principais, essa acaba sendo uma das temáticas da obra. Cada capítulo começa com uma diferente dica de Harry para Marcus e, apesar de esse ser um elemento metalinguístico, que diz respeito ao que os capítulos reservarão, me agradou por eu também ser escritora, além de apaixonada por livros de um modo geral. Também, há um nítido humor narrativo presente principalmente em muitos dos diálogos — as conversas de Marcus com sua mãe me arrancavam gargalhadas —, o que fazia da leitura mais leve nesses momentos espirituosos. Porém, um dos aspectos centrais do romance me soa um tanto quanto problemático, já que narra a relação de um adulto com uma adolescente. Ainda que isso seja visto como problemático dentro da própria história e que as passagens que romantizariam essa relação façam parte da construção do suspense — e, portanto, não é algo que o livro romantiza de todo —, ainda assim fica a ideia de uma relação romantizada. Pela própria construção dos personagens e de tudo que é revelado ao final, é possível, sim, questionar o que se desenvolveu entre eles, mas isso não muda o fato da romantização acontecer, ainda que minimamente. Por todos os problemas envolvendo questões de gênero e a adultização principalmente de garotas, não posso ignorar esse ponto presente no livro.
Em linhas gerais, A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert foi uma leitura que cumpriu muito bem seu papel de thriller policial, entregando uma história bem construída e repleta de reviravoltas, além de ter sido agradável de ser ler — as passagens bem humoradas quebram bastante a tensão comum em narrativas do gênero, que costumam ser mais sombrias. Joël Dicker escreveu mais um livro protagonizado por Marcus Goldman, O Livro dos Baltimore, no qual o escritor faz uma visita aos tios buscando inspiração para seu novo romance. Também, A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert foi adaptado como série de TV, trazendo Patrick Dempsey, famoso por seu papel em Grey’s Anatomy, como Harry Quebert.
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