Marcelo Rissi 28/12/2022
Quase memória (Carlos Heitor Cony)
Encerrada a última leitura de 2022: Quase memória (Carlos Heitor Cony).
Para quem, como eu, já não tem mais o pai habitando esse plano, esse livro movimenta emoções dicotômicas. É, pela constante rememoração da perda, indigesto. É, porém, simultaneamente, um acalento ao coração, pois a obra é composta por memórias ? inclusive, de diversas gabolices ? da vida de um pai, na visão e na lembrança do filho. O autor ? o filho ? revisitou, com o coração aquecido, incontáveis episódios familiares e compilou, ao longo das páginas, inúmeras histórias, todas elas narradas com humor, leveza, carinho e afetuosidade.
As digressões sobre o passado se tornaram, a rigor, o próprio enredo principal. Ao seu turno, o mistério do embrulho, deixado misteriosamente ao filho uma década após a morte do pai ? e com a caligrafia deste, em tinta fresca, denotando a atualidade da entrega ? fica em segundo plano ao longo da narrativa, servindo, porém, como elemento enigmático que mantém a atenção e a curiosidade do leitor ao longo das páginas. Afinal, quem lhe deixou ? ao filho ? aquele pacote, endereçado com tinta fresca, com a caligrafia e com o nó inconfundíveis de seu pai, dez anos depois de sua morte? Como o pacote chegou ao destinatário em condições tão aleatórias e, até mesmo, improváveis? Perguntas cujas respostas o leitor acompanhará, simultaneamente, com o filho/autor, ao longo da narrativa.
Essa indicação de leitura, feita por um professor de redação jurídica, foi cirurgicamente precisa. A escrita do autor é, por si só, uma valorosíssima aula de português: texto limpo, claro, simples, coeso e excelentemente bem construído. Gramática perfeitamente escorreita. Um livro que é um misto de ficção e de memórias ? logo, não-jurídico ? muito recomendável para todo aquele que quiser aprimorar o português.
Muito bom. Recomendo enfaticamente.