spoiler visualizarkessia.moreira 03/04/2020
Livro incrível que me fez ter uma nova visão de mundo acerca dos temas ilustrados. As vezes é preciso ler mais de uma vez certas partes. Acredito que livros devem fazer exatamente isso, forçar nosso raciocínio para que melhoremos nossa interpretação e afins. Se torna repetitiva a fixação das ideias, principalmente na segunda metade do livro, mas ainda sim vale totalmente a pena a leitura.
Suplício
Durante parte considerável da história da humanidade, tem-se aplicado múltiplos tipos de suplícios. Desde a Roma Antiga à Idade Média, o sofrimento físico (corporal) era palco primordial para a cristalização da pena aplicada ao acusado. Regicídio, parricídio, “bruxaria”, sodomia, “relações com o demônio”, homicídio, traição e outros, tinham como pena suplícios inimagináveis. Métodos de tortura e uma morte extremamente dolorosa se desenvolveram com o passar do tempo: garrote vil, esquartejamento, membros atados aos cavalos, morte na fogueira, roda, guilhotina, enforcamento, crucificação, etc. Ademais, o realizamento das penas em locais públicos agravavam o opróbrio em que o criminoso se encontrava. O cadafalso, penas ditas para que todos estivessem conscientes do crime, o criminoso como herege... Toda essa conjuntura de mínimos detalhes constituíam um teatro psicológico, para a reafirmação do código; a imposição do poder real, a amostra bárbara do que acontece quando o povo não o respeita: o crime é uma afronta à pessoa do soberano.
Punição
É com o decurso da 1° Revolução Industrial que crimes contra propriedades ganham maior relevância que anteriormente, já que os suplícios geralmente eram a respeito da violação do corpo e afins. O então sistema de punições passa a ser criticado, e o objetivo das penas passa a não ser mais sobre somente o castigo; mas sim reparar os danos causados à sociedade, reintegrar o indivíduo a essa – punição da alma, modificação da alma para o convívio em sociedade-, reafirmar o código para que novas infrações não ocorram.
É imperativo que a sanção anule as vantagens que levem à execução do crime, que as desvantagens sejam maiores. É preciso que haja um órgão de vigilância (a polícia), para que a ideia de impunidade não seja aparato para a realização das infrações. Um ponto de contradição nessas proposições é que a pobreza, educação também é aparelho disseminador do crime e da delinquência. Os fatores sociais passam a ganhar importância, assim como a individualização dos incriminados. A análise do motivo que o levou ao crime, julgamentos únicos e flexíveis.
Com os valores calvinistas implantados na cultura capitalista, o trabalho torna o ser digno. O motivo para a justificação de recorrentes crimes ligados às classes baixas é a ociosidade, a falta de trabalho leva ao crime. É assim que tem surgimento os trabalhos forçados. Além de que o trabalho também desenvolve a valorização e o respeito da propriedade (correção do preso).
Disciplina
A disciplina por meio de uma rígida e controlada rotina busca alcançar a docilidade dos corpos. O tempo é calculado, normas e sinais são estabelecidos, o espaço e as pessoas são seccionados; tudo isso para se ter a relação de docilidade-utilidade: tudo é previamente definido, a indisciplina é punida, o aproveitamento é maximizado. A disciplina fabrica seres dóceis.
É com o exército de Napoleão Bonaparte que a disciplina se torna frequente e passa a abranger um leque cada vez maior de setores da sociedade: escolas, prisões, hospícios, hospitais, fábricas (Revolução Industrial). A disciplina pode ser também chamada de “A arte das distribuições”, o espaço é codificado e as pessoas são organizadas (ex: escolas: divisões de salas, alunos, matérias, horário de aulas, entrada e saída... Exames para avaliar o progresso dos indivíduos são recorrentes, examinar e documentar; há a coletivização já que todos seguem as mesmas normas - o que muda é o poder vertical – e são tidos como iguais, ao mesmo tempo há a individualização: análise separada de cada corpo dócil, seus documentos e registros. Tais corpos são considerados objetos pelo sistema em que estão inseridos, são apenas números; suas informações são usadas para estimativas, controle governamental e afins.
O poder em um sistema disciplinar é distribuído entre todos, relativamente cada um exerce poder sobre algo; o poder está entre os seres. Ao contrário dos governos monarcas, onde havia uma evidente concentração do poder, o poder disciplinar é disperso.
O Panoptismo de Bentham é considerado a ilustração perfeita dos sistemas de disciplina. Consiste em um edifício circular com uma torre de observação no centro. Os presos ficariam na parte periférica, as celas teriam a parte que aponta para o interior do círculo - onde se localiza a torre – composta por vidro, faciltando a visão e o controle da rotina do criminoso; as celas seriam tampadas horizontalmente, para que não ouvesse comunicação entre os presos e possíveis insurreições. A torre de observação possuiria persianas: o preso se sentiria observado o tempo todo, por não saber se há alguém ou não no edifício central. O panóptico metaforicamente representa o controle completo sobre o indivíduo; mesmo quando este não está sendo observado as normas regem suas ações, o que é correto ou não pela sociedade.
Prisão
Tendo em vista que a liberdade é um estado de direito intrínseco ao ser humado, a violação das leis assume que a privação da liberdade do indivíduo é um meio de punição aceitável – se ele é um risco para a sociedade, deve ser controlado para sua posterior reintegração nessa. O isolamento e o trabalho forçado também fazem parte da reformulação da alma do ser. O primeiro com o objetivo de que o prisioneiro seja deixado solitariamente com sua consciência e um consequente remorso. Entretando, nem sempre é o que acontece, o sentimento de revolta e injustiça por sua situação pode ter lugar ao em vez do remorso; vê a sociedade, o sistema carcerário e judiciário como seus inimigos. Muitos dos encarcerados são levados à delinquência e à reincidência, já que: a prisão reúne criminosos; quando saem, são segregados socialmente, não conseguindo sustento, etc... A questão é: o sistema carcerário gera a delinquência, resultado contraditório, posto que sua função é eliminá-la. Qual o objetivo da prisão, senão erradicar a delinquência? Controlá-la, registrá-la, gerir as ilegalidades.
O órgão de vigilância do Estado (a polícia), é responsável por vigiar e punir os delinquentes, e não só eles mas toda a sociedade. Fortalece o controle sobre eles. Com o objetivo de vigiar apenas os delinquentes, vigia a todos.
* Se a função da prisão é promover a reintegração do indivíduo, prisão perpétua é contraditória. Não há motivação em melhorar quando não se tem perspectiva.