joaoggur 01/05/2023
Preparem-se para uma resenha prolixa.
Michel Foucault foi um dos maiores filósofos do século XX. Não só um produtor de conhecimento, mas fora um profundo crítico e analisador das chamadas ?instituições sociológicas?; lugares como o hospital, escola e a prisão, em seu ver, seguem a mesma ordem disciplinar, os mesmos rituais, criando o que por ele foi chamado de ?espaço interdisciplinar?, que como Vinicius Siqueira definiu no site ?Colunas tortas?, ?visa aumentar a eficiência econômica da prática sobre os corpos. A docilização é aumentada e o adestramento é maximizado. Para isso, é necessário individualizar, manter as coletividades desunidas, não permitir a troca de informações, racionalizar a arquitetura para que contribua aos objetivos disciplinares, para aumentar as curvas de visibilidade, seja na prisão, no hospital ou na escola?.
Aqui, em ?Vigiar e Punir?, o filósofo disserta não só sobre a ideia de prisão mas, literalmente, o conceito de Vigiar e Punir. A prisão é um excelente modelo, dado que acomete ambos os verbos. Porém, neste livro, são estudados todas as formas que, seja o Estado ou detentor de poder naquele contexto, exercem a vigilância e a punição sobre seus dominados.
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O livro é separado em certas partes:
I - SUPLÍCIO
Aqui, o autor discorre sobre como se dá a condenação em si. Disserta como o suplício era, em Estados centralizados europeus, uma forma de demonstração do poder estatal, quase como um show por parte do rei para demonstrar seu poder. E, mesmo com a modernização do que o senso comum entende como ?punição?, ainda há um suplício velado por detrás de tal progresso: a penalidade, só faz sentido, se for posta junto com uma tortura corporal. ?No entanto, um castigo como os trabalhos forçados ou até como a prisão?pura privação de liberdade?nunca funcionou sem um certo suplemento punitivo que diz respeito ao próprio corpo: racionamento alimentar, privação sexual, pancadas, calabouço. [?] Por conseguinte, continua a existir um fundo «supliciante» nos mecanismos modernos da justiça criminal?um fundo que não é totalmente controlado, mas que está cada vez mais envolvido por uma penalidade do incorporal.?
Outra ideia a ser dissertada seria a da loucura atrelada ao crime; a insanidade seria uma forma de justificação do comportamento dito ilegal, uma maneira de haver controle no que julgamos infrações? ?[?] especialidade psiquiátrica, e de uma forma mais geral a antropologia criminal e o discurso batido da criminologia encontram aí uma das suas funções precisas: ao inscreverem solenemente as infrações no campo dos objetos susceptíveis de um conhecimento científico, fornecem aos mecanismos da punição legal um controlo justificável já não apenas sobre as infrações, mas sobre os indivíduos; já não sobre o que estes fizeram, mas sobre aquilo que são, serão e podem ser?.
Com o passar do tempo, o suplício em relação ao corpo perdeu o seu sentido. E, em meio a revoltas sociais, o condenado começaria a receber apoio popular. O Estado achou uma solução para isto: a punição deveria ser implícita, a tortura precisaria ser abandonado. O suplício permaneceria no corpo: privando sua liberdade, sua escolha e sua individualidade, porém não haveria um grande público para observar daquilo. Em suma, o suplício, no decorrer do tempo, se tornara implícito; a prisão substituiu o teatro.
II - PUNIÇÃO
Aqui há um estudo da pena, do castigo, de como foi sua evolução (involução) até sua gênese. A partir dos fins do século XVIII, a punição tornou-se algo mais sútil, porém isso não deve ser confundindo com humanização. No contexto francês da época, a prisão fora um mecanismo de tirar seres indesejados das ruas, perdendo sua voz política. ?Por detrás da humanização das penas, o que encontramos são todas as regras que autorizam, ou melhor, exigem a ?brandura?, como uma economia calculada do poder de punir. Mas provocam também uma deslocação no ponto de aplicação desse poder: que já não seja o corpo, com o jogo ritual dos sofrimentos excessivos, das marcas ostensivas no ritual dos suplícios; que seja o espírito, ou melhor, um jogo de representações e de signos que circulam com discrição, mas também com necessidade e evidência, no espírito de todos.?
III - DISCIPLINA
Veja bem: fazendo um trocadilho com o nome do livro, se queres Vigiar e Punir deve atentar-se a obediência, a disciplina. Para Foucault, a disciplina está estritamente ligada com o poder perante os corpos humanos, a alienação do corpo das pessoas ao detentor do poder. Todas as ditas ?instituições sociológicas? estão ligadas ao controle do corpo; na igreja, na escola, na prisão, no exército, até em um surto de uma doença (como ele exemplifica). Disciplina está estritamente ligada com a DOUTRINAÇÃO, com a obediência, para assim ele se tornar controlável. Isso pode ser tanto de forma induzida (Exemplo: Em um quartel, onde os soldados precisam seguir uma rotina e uma ordem metódica) quando de forma de sobrevivência (Exemplo: um operário trabalhando em uma fábrica).
IV - PRISÃO
Enfim chegamos ao últimos dos tópicos, sendo o mais famoso deles (mesmo a obra tendo nuances pouco comentadas), aquele que foca no estudo do enclausuramento. O autor não acredita nesse falácia neoliberal da prisão ser corretiva, ou ?recreativa?, como já tive a pachorra de ouvir. Para ele, a prisão é a apoteose da disciplina, um local baseado na exaustão. A grande questão de prisão, se diferenciando de outras instituições sociológicas, não tem uma atividade atrelada. O ofício dos detentos é a solidão. Muitos podem refuta-lo, mas o labor prisional não é criado de forma recreativa; ali, é uma consolidação, mesmo velada e implícita, do poder exercido aos detentos. Ao ser isolado, em meio a reflexão, o detento se vê em uma só situação: aceitar e entender que ele é controlado.
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Após esta resenha prolixa, só posso indicar tal obra. É um estudo sociológico enorme; Foucault, aqui, fez um estudo valioso. O que podemos aprender com a obra? Que, independente da instituição sociológica que estamos, somos sempre vigiados, estamos sempre sobre a sombra de algo maior. Aproveitem cada linha deste estudo.