Yasmayfair 19/12/2012
O diário de uma acéfala
Li esse livro decepcionante ano retrasado, mas como só fui fazer Skoob esse ano, eis a resenha.
Crepúsculo é o que eu diria de "não julgue um livro pela capa". Nesse caso, a capa é muito melhor do que o livro inteiro, e por ela ser preta e tudo mais, com vermelho, você logo pensa que é um livro cheio de suspense, terror e mistério, e que vai te prender do começo ao fim.
Bem, graças a Eru não foi o que aconteceu comigo. Não me deixei enganar pela falsa auto-suficiência da inútil, abobalhada e incapaz Bella, e muito menos pelo topete, Volvo prata ou sorriso torto de Edward - que é tudo, menos vampiro.
Pode ter filhos, anda de dia, não toma sangue de humanos e sacia a vontade de sangue com simples ursinhos da montanha, não possui presas, ao invés disso injeta VENENO, é amável e tem uma família linda e feliz que, apesar de ser """"vampira""", leva uma vida normal, com direito a, quem diria, jogos de baseball na montanha! E sequer preciso mencionar o fato bestial e RIDÍCULO de ele brilhar no sol, e depois ainda se dizer um monstro.
Devemos atentar para essa alteração que Meyer fez no mito do vampiro. Alguns podem dizer "ah, os vampiros são dela e ela faz o que quiser!". NÃO, NÃO SÃO E NÃO FAZ. O mito vampírico é algo que vem sendo construído e elaborado há mais de mil anos, e qualquer pesquisadinha no Google vai revelar que sua origem é realmente remota, e não começou com Bram Stoker, como muitos pensam, ele somente condensou o vampiro em algo homogêneo, mas sendo fiel ao que já havia até a época em que Drácula foi escrito. E, até Crepúsculo ser escrito, tínhamos como conceito de vampiro aqueles seres noturnos, misteriosos, que seduzem as vítimas humanas para BEBER SEU SANGUE [e não namorá-las ou casar e ter filhos com elas], só andam à noite, possuem PRESAS, dormem de dia e não costumam sair ao sol, e a MÍNIMA e momentânea exposição a ele vai machucar, e muito, pra não dizer que se ficarem expostos por pouco menos que alguns minutos, vão virar pó ou cinza na hora, como queiram. Era esse o conceito de vampiro que tínhamos, que o mundo inteiro tinha. Stephenie Meyer veio e mudou isso - seus vampiros são mocinhos bonitos que brilham no sol. Isso pra mim não é vampiro, ou alguma mudançazinha porque ela tinha o direito de fazer ou coisa parecida. Isso pra mim é um desrespeito a séculos de literatura sobre vampiros, e mais ainda a mais de mil anos de construção de uma lenda que se tornou consistente nos dias de hoje, para que ela viesse e estragasse tudo como quis e fez. Se alguém não compreende, peguemos a lenda do Saci-Pererê. Negro, carapuça vermelha, cachimbo e pula de uma perna só. Se surgisse algum escritor sem o mínimo escrúpulo e escrevesse livros nos quais o Saci não fuma, tem duas pernas e é loiro, não seria o Saci. Ou alguém que escrevesse um livro em que Papai Noel é um menino novo, que tem um trenó puxado por patos, e não dá presentes às crianças no Natal, mas os toma, não seria o Papai Noel. Pois é, logo, os vampiros de Meyer NÃO SÃO VAMPIROS.
Porém ela não me enganou. Tudo o que vi nesse livro foi um machismo extremo, camuflado pela gentileza, beleza e dinheiro desse metamorfo chamado Edward, combinado à falta de personalidade de Bella, que tem a capacidade de tropeçar nos próprios pés e esquecer de como se respira - e como se não bastasse, apesar de ser uma mosca-morta, todos os garotos da escola nova ainda se apaixonam por ela, uau!
Isso pra mim é falta de incoerência. Isso pra mim é alienação e lavagem cerebral, camufladas numa narrativa digna de diário de menina de 12 anos, que cativa as desavisadas e sem personalidade literária formada. Eu realmente me preocupo porque essa geração que cresce lendo Crepúsculo, como ainda está na formação de sua personalidade, talvez aja como Bella, abandonando a família, amigos e tudo o que é importante, num comportamento extremamente egoísta e incondizente com a maturidade que ela diz ter, para viver um romance com um desconhecido.
O único ponto positivo do livro [pelo menos um, né] é Jacob Black, o amigo-lobisomem de Bella. Fiquei satisfeita porque além da tresloucada autora não ter mexido muito nas lendas de lobisomens, fez pelo menos UM personagem fantástico mas próximo da realidade, e não alguém que agisse feito um demente machista atrás de sua amada. Jacob é risonho, simpático, engraçado, prestativo, animado e inspira confiança, o amigo, e futuro namorado que toda garota poderia querer. Mas não Bella. Bella preferiu Edward, que é como um piso de banheiro: branco, duro, frio e brilha. Ela preferiu Edward, que tem um Volvo prata e uma mansão na floresta, com uma família linda, e não Jacob, que mora numa reserva indígena numa casinha pequena com uma família igualmente pequena. Ela preferiu Edward, de quem ouve frases dignas de músicas de Reginaldo Rossi, e com quem troca os diálogos mais idiotas do mundo, o que é uma afronta à inteligência do leitor, como no célebre "e o leão se apaixonou pelo cordeiro...", dito por Edward, seguido por um "Que cordeiro idiota!" Mas concordamos Bella, é ótimo que você assuma sua idiotice, porque nós já sabemos.
Stephenie Meyer abocanhou sua - grande - fatia da torta que é o mundo literário nesse best-seller feito para adolescentes, e se eu não soubesse que a autora tem mais de 30 anos, diria que é feito POR uma adolescente, pois é assim que me soa. Um romance escolar despretensioso à primeira vista, com a heroína meio boba se apaixonando pelo mocinho belo, romântico, misterioso e rico; um prato cheio pra qualquer leitor desavisado.
Mas há que se ter atenção ao ler os livros da autora, e não se deixar levar pelo Volvo prata ou pelas juras de amor cafonas que camuflam uma obsessão doentia pela amada.
Posso dizer que Crepúsculo [e seu adjacente, porque só consegui engolir esse livro indigesto até Lua Nova] é tão bom quanto uma injeção na testa, e tão profundo quanto um pires.
Mas não dizem que de graça até injeção na testa? Pois pra mim, de graça nem Crepúsculo.