spoiler visualizarBrujo 24/09/2023
A Mais Prolixa História de Todos os Tempos
Aqui vai uma adivinhação: qual o resultado do cruzamento de um ufólogo com um cristão? A resposta resulta no jornalista e ufólogo J. J. Benítez que, após longo estudo a respeito da vida de Jesus Cristo e demais assuntos relacionados à bíblia, lança em 1984 o livro "Caballo de Troya" ou "Operação Cavalo de Tróia" na primeira edição brasileira de 1987 - que trata-se de uma obra que tem em sua premissa contar sua história de ficção científica e histórica da forma mais realista possível. Uma história que se leva a sério, sendo que o próprio autor diz que muito do que está escrito no livro trata-se da realidade, postura típica de um bom ufólogo.
Benítez demonstra um conhecimento profundo a respeito da história de Jesus, principalmente de seus últimos dias. Todas as explicações históricas e científicas que coloca no livro são de fácil entendimento pois, como um bom jornalista que eu sei que o autor é, ele lida muito bem com as palavras. Com estas habilidades de Benítez estabelecidas nesta resenha, encerro por aqui os elogios a esta obra.
Não vou medir as palavras: esse livro foi um verdadeiro suplício, o mais difícil de terminar com que já me deparei. Se ele fosse resumido às partes que de fato importam para a trama, ele não teria mais do que duzentas páginas. Acompanhem comigo: uma dupla de membros do exército norte-americano embarca em uma viagem no tempo a bordo de um aparelho com o mais alto grau tecnológico apelidado de "o berço", construído pela Operação Cavalo de Tróia, projeto ultra-secreto dos EUA que tem por objetivo voltar ao ano 30 da nossa era e acompanhar os últimos dias de Jesus de Nazaré. Os dois militares, assumindo os nomes de Jasão (deveriam ter chamado o aparelho de Argos então, e não de berço.. ) e Eliseu, fazem a viagem sem maiores problemas e acompanham de perto os últimos 8 dias da vida de Jesus. Findo esse período, retornam para o presente. E isso é tudo. Simples, não é?
Então, como explicar 560 páginas de letras miúdas ? A resposta está no aspecto que mais me desagradou neste livro: Benítez, em sua ânsia de provar que a história do livro é real, descreve minúcias e mais minúcias sobre absolutamente tudo! Não vou ficar enumerando aqui pra não perder tempo, mas vou resumir dizendo que são detalhes que não fazem a menor diferença para a trama! Por exemplo, o autor se dá ao luxo de nos dar todas as medidas exatas do corpo de Jesus, como tamanho de tórax, braços, pernas, etc. Quando se iniciam todos os tormentos físicos e morais pelos quais o Nazareno é submetido é que essa prolixidade do autor chega ao seu ápice: Benítez detalha o que cada pancada causa no corpo de Jesus, quantos litros de sangue ele perde, quantos ossos e tendões de seu corpo são partidos, como exatamente seu organismo reage ao suplício, frequência cardíaca, temperatura corporal e por aí vai (eu não ficaria surpreso se o Mel Gibson afirmasse que se espelhou nesse livro para fazer o filme "A Paixão de Cristo"). Tentem imaginar ler 560 páginas neste ritmo, com cada detalhe esmiuçado de forma incansável, notas de rodapé gigantes e que são apenas curiosidades sobre Jerusalém (sobre o povo Judeu daquela época e suas leis, sua moeda, etc.) mas raramente fazendo diferença para a história. Em determinado ponto do livro eu simplesmente me abstive de ler essas notas de rodapé, para ver se a leitura fluiria melhor.
Outro detalhe bastante marcante é a inserção de doses homeopáticas de ufologia na trama: Benítez coloca na história algumas aparições de ufos e dá à estes objetos a responsabilidade por alguns pontos da história bíblica, como o eclipse que ocorreu durante a crucificação de Jesus (um ovni ficou na frente do sol...) e a ressurreição do mesmo. E não, não há qualquer explicação ou confirmação de nada a esse respeito no livro, mas há bastante explicação sobre os materiais dos quais são feitas as sandálias de Herodes e Jasão, fiquem tranquilos.
Mas não é só isso, os problemas com essa história já nascem da sua premissa: imaginem que o governo do EUA descobre uma forma de viajar no tempo e gaste bilhões de dólares no processo. Eles podem impedir a Guerra Civil Americana, entregar alguma tecnologia ao próprio governo dezenas de anos antes de serem inventadas, impedir a criação da URSS, atrapalhar a ascensão da China como potência... Mas não, eles escolhem viajar para o ano 30 e simplesmente acompanhar Jesus Cristo e coletar informações a respeito do Nazareno, tirar suas medidas e etc. Não dá pra levar a sério, nem como ficção. Eu não consegui, ao menos. E o fato do autor ter retratado Jesus, nascido no Oriente Médio, como a Bíblia, com cabelos claros, pele branca e olhos azuis, também não ajudou a dar credibilidade para essa história. Não há suspensão de descrença que sobreviva a isso.
No final de sua vida, Jasão, já velho e acometido por uma doença decorrente da viagem que o faz envelhecer mais rápido, procura Benítez para lhe entregar os diários do projeto Cavalo de Tróia. Mas, ao invés de simplesmente entregar a ele o material, ele faz um joguinho de pistas bem pueril e sem sentindo.
A saga ainda tem mais - pasmem! - 8 livros, com Jasão inclusive voltando ao ano 30 novamente e sempre voltando cada vez mais, sempre com o intuito de acompanhar toda a história de Jesus. Obviamente eu não vou passar nem perto destes demais livros, definitivamente eu vou correr de qualquer coisa que tenha o nome de J. J. Benítez estampado na capa!
Em suma, eu não recomendaria este livro para ninguém! Talvez, para uma porção bem específica de pessoas: se você é cristão e não se importa em ler uma versão que muda alguns (poucos) detalhes da história bíblica, se gosta de ufologia e de sci-fi e tem MUITO (mais muito mesmo!!) interesse pelos costumes de Jerusalém do ano 30, esse livro é para você !!
TS: Hypnos 69 - Legacy (2010)