Toni 26/08/2019
Conheci a Maria Pilla durante a III Jornada de Crítica Literária: Literatura e Ditadura aqui na UnB (Universidade da Balbúrdia). Naquela ocasião, a autora apresentou uma palestra intitulada “O direito à memória como princípio de justiça”, título que por si só já introduz a jornalista-ativista e sua única obra publicada, o romance-relato Volto Semana Que Vem (infelizmente ainda sem casa desde o fechamento da finada Cosac). Neste livro curtinho e poderoso, Pilla afixa lembranças na parede da memória, quadros de um tempo de militância, torturas, prisões e exílio, vivido entre Brasil, EUA, França e Argentina—onde foi presa e torturada em 75.
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O foco de Pilla não é, contudo, as atrocidades sofridas sob governos antidemocráticos (dos 56 fragmentos de memória que compõem a obra, apenas um remete explicitamente à tortura, o assombroso trecho datado de 2003 “A gatinha do edredom”). Procedendo por meio de enquadramentos, a autora embaralha textos breves e móveis, às vezes pedaços de fragmentos espaço-temporais, como de sua infância em Porto Alegre ou dos momentos de sororidade na prisão argentina, e consegue, com isso, estar em vários lugares ao mesmo tempo, criando sua própria gramática da memória, desorganizada mas pulsante de interlocução.
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Ao se demitir do silêncio institucional e provocar formas de sentir o trauma, a literatura continua e ser a “maldição das ditaduras”, nas palavras de Alberto Manguel. Perante os mecanismos de embargo jurídico, a resistência burocrática dos arquivos, e a continuidade de uma exceção provocada, em certa medida, pela ausência de elaboração traumática, escritores se veem diante da tarefa essencial de usar a memória para historicizar o presente. Maria Pilla, inesquecível e muito querida, faz isso com os olhos atentos da testemunha que sabe da importância de se contar o que viu. Aproveito para deixar recomendado aqui o vídeo que a @bdebarbarie fez sobre o livro em seu canal do YouTube: sucinto e preciso como eu acho que todo vídeo de booktuber precisava ser.