Maria Faria 12/12/2022
Um registro histórico
São os relatos de Carolina desde sua infância em Sacramento ? MG até sua chegada, ainda jovem, a São Paulo. Bitita era o apelido da menina.
Diferente de Quarto de Despejo, Diário de Bitita não preservou a escrita original da autora, mas a forma de expor as ideias é totalmente identificável.
Ela nasceu em uma época pouco distante da abolição da escravatura e isso foi determinante para sua permanência na miséria por toda a vida. A escravidão foi abolida, mas a perseguição com os negros permaneceu, principalmente por parte da polícia. Era muito comum o negro combinar um valor pelo seu trabalho e o patrão pagar nem metade do combinado, porque não havia proteção para os negros.
Carolina teve a sorte de estudar por dois anos, momento em que tomou gosto pela leitura e escrita. Uma raridade naquela época que mesmo os brancos permaneciam analfabetos. O ?dom de ler? rendeu-lhe dissabores, pois as pessoas a viam lendo e julgavam tratar-se de livros de bruxaria, o que acabou causando sua prisão e de sua mãe por um curto período.
Ela não se conformava em não ter oportunidades melhores de trabalho, por isso mudou de emprego várias vezes e foi expulsa das casas outras tantas, por simples crueldade dos patrões. Chegou a perambular doente entre Ribeirão Preto e Sacramento, em busca de tratamento para feridas inexplicáveis que surgiram em suas pernas.
O fato de saber ler e escrever incomodou muita gente e sua postura questionadora não foi bem aceita dentro de sua própria família. Várias vezes procurou ajuda de familiares e foi enxotada por não ter dinheiro nem emprego.
A jovem, mesmo quando encontrava bons empregos como babá ou cozinheira, sentia-se inquieita, saindo de seus trabalhos em busca de algo melhor. E é assim que foi parar na cidade de São Paulo.
Todo seu relato sobre os negros, em especial sobre as mulheres negras, causou intensa comoção, pois já conhecia estas agruras através de relatos de meus antigos familiares. Minha avó paterna, nascida em 1911, mulher negra, vivenciou tudo o que a mãe de Carolina viveu, exceto a prisão. Não a conheci, mas suas histórias ficaram guardadas na mente de minha mãe que me repassou oralmente todos os relatos.
Carolina foi a ?voz escrita? que perpetuou uma realidade presa em relatos íntimos, que não viriam a público não fosse suas simples atitude de registrar seu cotidiano. Ela é muito maior do que aqueles que conseguiram ser mencionados nos livros de História, ela registrou a história e as agruras da mulher negra e pobre em um país em que o negro é parte apenas dos relatos da escravatura.