joolivis 09/07/2022
A ATUALIDADE DE OS MISERÁVEIS
Lançado originalmente em 1862, a obra de Victor Hugo acompanha um grupo diverso que detém, entre si, um laço de encontros trabalhados e forjados na miséria. O principal protagonista, Jean Valjean, é um ex-presidiário que no início do livro é solto da prisão após 19 anos preso. O motivo? Ele roubou um pão.
Na história é impossível fechar os olhos para um pensamento crítico acerca da desigualdade e da diferença social. Jean Valjean é um homem bom, mas o mundo duro o faz, em certos momentos, agir de maneira não ética. O mesmo vale para outros personagens que, dentro da miséria, encontram a falta de escrúpulos para tentar mudar de vida ou entrar em situação mais confortável.
Temos um padre que aceita a pobreza ao abrir mão de luxos para ajudar os necessitados. Uma mulher que engravida e precisa abrir mão de criar e conviver com a própria filha para conseguir o necessário para tentar sustentá-la. Nós temos jovens que estão descontentes com a realidade e clamam por mudanças de um governo que não mais os representa nem os tempos novos que se iniciam. Uma família pobre que aceita ser falsa e criminosa para lucrar (se não fosse a condição que sempre se encontraram, será que os Thénardier seriam tão sujos?). O livro também é sobre inocência e romance, esses tendo seu ápice na narrativa de Cosette e Marius.
É um livro que nos mostra a pobreza de forma dura e traz à tona injustiças de uma França do século XIX, mas também discute honra. Ao terminar o livro, um gosto amargo e reflexivo continua na nossa boca, porque a narrativa disseca os infortúnios que um sistema hierárquico baseado no monetário, mas sem qualquer interesse de justiça social, nos faz ter.
Jean Valjean, talvez, seja um dos melhores e mais dignos personagens já escritos, mesmo que não seja o mais exemplar. É um pobre que paga uma pena desarmoniosa por ser pobre, que vai preso por sentir fome e que perde a família por não ter o direito de manter laços com ela. Aliás, é um olhar que já questiona, antes mesmo de Foucault, a existência da prisão punitivista e do que se entende por "justiça".
Porém, quando ele enriquece, cria um sistema de distribuição de qualidade de vida ? em outras palavras: justiça social ? que o faz mudar totalmente uma cidade: das ruínas para um exemplo. Nesse aspecto, Victor Hugo consegue trabalhar também a ideia de como não importa o que se faça, a ingratidão, a inveja e os seus erros falaram mais alto em uma sociedade que se preocupa com a moral, mas não enxerga suas próprias mazelas nem os feitos em si. Mesmo salvando vidas, o fato de Jean ter sido preso é o suficiente para ele ser excluído!
Os miseráveis é isso: um reflexo de um período passado que se mantém. Mudou de rosto, de política e de tecnologias, mas ler sobre a fome, a desigualdade, a injustiça, a sede por revolução e a corrupção que a pobreza pode gerar, causa um reconhecimento com o mundo de hoje. Com o Brasil atual.
Bem, isso se manterá enquanto um sistema que não se preocupa com o povo e com a qualidade da vida, mas sim com a moeda (ou capital, chame como preferir), existir. A revolução precisa vir em forma de justiça social. Se olharmos bem: o capitalismo, na forma da França dos séculos passados e o de hoje, é o vilão da história.
Ps: a leitura pode ser bem cansativa pois, entre a história em si, Victor entra em "cobras que comem o próprio rabo": detalhamentos e reflexões filosóficas, sociológicas e históricas desnecessárias. Pelo cunho da narrativa, elas devem existir, mas não nessa quantidade de páginas e profundidade trazidos pelo autor. Mas desculpo Victor Hugo pois, naquele período, o escritor era pago por palavra escrita e ele precisou ganhar bem pela qualidade do que produziu, mesmo que comprometa a fluidez da obra ? o capitalismo, mais uma vez, faz-se vilão, rs.
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