Maria16577 03/08/2023
Comecei essa leitura em meio a uma certa obsessão mórbida pelo tema da guerra, e, agora, pela energia nuclear e seus desastres. Só nesse último ano foram quatro livros, duas séries e seis filmes sobre o tema, mais do que já dediquei a qualquer outro assunto. Algo entre um dever moral de presenciar tudo e entender o incompreensível, e a necessidade irracional de visitar incessantemente o pior pesadelo.
São poucos mas cada vez mais frequentes, porém, os momentos em que alguma dessas obras me força a refletir sobre o meu próprio posicionamento quanto a isso tudo. Desde o voyeurismo desconfortável na mente de um assassino em massa do período da segunda guerra (em “A Morte é Meu Ofício”, sobre um comandante importante no desenvolvimento de Auschwitz - história que foi adaptada no filme “Zone Of Interest”, que está pra lançar no fim do ano), até um desvendamento detalhado do sofrimento e das péssimas memórias de pessoas que passaram pelo pior dessas situações (como, por exemplo, em Shoah, documentário que me fez perceber que ainda não sabia nada do absurdo da segunda guerra).
Um pouco no meio termo desses dois momentos, se encontra “Vozes de Tchernobil”. Com um enfoque para mim completamente inesperado em Belarus, retrata os horrores que se infligiram no país. Belarus, antes completamente desolada por uma atuação nazista completamente sádica durante a segunda guerra mundial (uma memória incontornável para muitos novamente vitimados por Chernobyl), foi o destino de muitos ventos que vinham da usina após o incêndio. Não sendo, porém, propriamente o local do desastre, pareceu mais uma vez esquecida pelo tempo.
Fala, também, sobre os homens que foram mandados para contingenciar os danos, basicamente mandados para morrer, sobre os familiares, que tiveram de participar do processo desolador de morte lenta dos seus entes queridos e sobre as crianças de olhares perdidos e incapazes de sorrir, sendo assoladas por efeitos praticamente desconhecidos. Trata, enfim, de uma população deixada no escuro sobre o mínimo relativo ao desastre, num mundo, porém, em que dificilmente alguém sabia qualquer coisa sobre energia nuclear.
No meio disso tudo, traz um relato coletivo desconfortável e triste do fim do mundo que todos conhecíamos (muito além do fim da União Soviética). Um absurdo iniciado ainda na segunda guerra, a tragédia da humanidade para além de todos os limites da própria atuação humana.
Mais do que nunca, uma leitura essencial.