Jacqueline 26/04/2021Doloroso e necessário"Tchernóbil é a pior de todas as guerras. O homem não tem salvação em parte alguma. Nem na terra, nem na água, nem no céu."
"Por trás dos arames farpados só restou a terra...e os túmulos...o nosso passado. O nosso grande país..."
"Ao pé da colina ara um trator, sobre a colida arde o reator; se os suecos não vêm avisar, estaríamos todos ainda a arar."
Não há formas fáceis de descrever essa leitura, pois este não é um livro simples, nem tem o intuito de ser.
Vozes de Tchernóbil levou mais e 10 anos para ser escrito e é formado de relatos das pessoas que testemunharam o que foi descrito como o maior acidente nuclear da história da humanidade, datado de 26 de abril de 1986.
É comum em algum momento de nossa vida já termos ouvido falar do desastre nuclear que devastou algumas cidades da Bielorrússia com a radiação que matou pessoas, contaminou gerações de famílias, envenenou terras e tornou principalmente a cidade de Prypiat em um lugar inabitável.
Entretanto, este livro vai muito além de dados sobre a explosão do reator e as consequências às pessoas responsáveis. O livro reúne histórias escritas nas paredes das casas das cidades evacuadas, cartas de crianças encontradas na cidade, relatos de médicos, enfermeiras e até do ex-primeiro secretário do comitê do partido e do deputado do parlamento Bielorrusso, narrativas de soldados que foram usados como instrumentos do governo para conter os danos sem orientação das consequências para suas vidas e as vidas de suas famílias, pessoas que não tiveram opção a não ser retornar para suas casas dentro das zonas contaminadas, mulheres que perderam seus maridos sem ao menos ter o direito de enterrá-los da forma que queria, que viram a pele de seus bombeiros descolando dos ossos e o que mais doeu, relatos de pais que acompanharam de perto seus filhos definharem e morrerem, e mulheres que tinham medo de engravidar.
Comparar catástrofes assim é impossível e inevitável, ao mesmo tempo. No livro, o desastre de Tchernóbil (ou Chernobyl) é comparado com Hiroshima, Nagasaki e Auschwitz, cada um deles com suas tragédias e perdas, mas todos conectados por uma coisa em particular, a forma que o governo lida com a tragédia.
Informações cruciais sendo escondidas de todos com o preceito de "não causar pânico" e tendo como consequência um povo desinformado e ignorante à real periculosidade e grandiosidade do que está acontecendo, sem chances de tomar os devidos cuidados e sem a devida atenção do governo às suas vidas.
Em Chernobyl, as pessoas não tinham medo de voltar às suas casas, colherem os alimentos de suas hortas, beberem o leite de suas vacas. Eles tinham a informação de que havia altos níveis de radiação naquele local, mas ninguém os explicou o que aquilo realmente causaria a longo e curto prazo, em suas vidas e nas vidas das futuras gerações. Em uma das histórias vemos uma moradora local levando os cientistas até próximo da usina, eles usavam máscaras de gás e roupas reforçadas contra radiação, enquanto ela usava um vestido florido e sapatilhas.
Vemos as pessoas serem retiradas de suas casas, crianças tão expostas à radiação que se ficassem mais de 10 minutos de pé seus narizes e orelhas sangravam, e ao mesmo tempo, um governo que usou mão de obra humana como se fossem máquinas de contenção de danos, prometendo medalhas, dinheiro e até vodka a homens que não passariam dos 25 anos.
Essa obra magnifica trás a luz nomes de pessoas de verdade que viveram, sofreram e morreram por causa de um erro humano e falta de informação e cuidado. É um livro difícil, assombroso, doloroso e necessário.
"Havia entre nós alguns comissários políticos que faziam discursos políticos. Diziam que a nossa obrigação era vencer. Quem? O átomo? A física? O cosmos? A vitória para nós não é um acontecimento, mas um processo."
"A morte se escondia por toda a parte, mas era um tipo diferente de morte, com uma nova máscara. Com aspecto falso...a radiação não se vê, não tem odor nem som. É incorpórea. Passamos a vida lutando e nos preparando para a guerra, tão bem a conhecíamos, e, de súbito, isso! A imagem do inimigo se trasnformou."
"De noite rogamos a Deus; de dia, aos policiais."
"Destino é a vida de um homem, a história é a vida de todos nós."