Julia G 25/01/2012O Chamado Selvagem - Jack LondonResenha publicada originalmente no blog http://conjuntodaobra.blogspot.com
"Esse primeiro roubo veio a mostrar a aptidão de Buck para sobreviver no ambiente hostil das Terras do Norte. Mostrou a sua adaptabilidade e capacidade de se ajustar às condições de mudança, cuja falta teria significado morte rápida e terrível. Mostrou, posteriormente, a decadência ou desintegração da sua natureza moral, tida como uma coisa vã e um obstáculo na luta cruel pela existência. No Sul, sob a luz do amor e da amizade, tudo foi muito bem e se podia respeitar a propriedade privada e os sentimentos de cada um. Entretanto, no Norte, sob a lei do porrete e das presas, quem quer que levasse tais coisas em consideração seria um tolo e, na medida em que Buck as cumprisse, não prosperaria." (pág. 31)
Buck vivia tranquilamente nas Terras do Sul, na vastidão da fazenda de seu dono, sendo um fiel companheiro e protetor de toda sua família. O sol conseguia aquecer aquela região, e a liberdade que tinha de passear por aquelas terras, mergulhar nas águas próximas, brincar com as crianças e descansar aos pés do dono perto da lareira, ao tempo em que cumpria suas funções de defensor, o enchiam de um grandioso orgulho.
Mas o fato de ser um são bernardo - em uma época que animas fortes e peludos eram necessárias para buscar o ouro nas frias Terras do Norte - o tirou de sua vida confortável. Um jardineiro da fazenda entrega Buck a um estranho, em troca de algumas moedas. E, assim, Buck inicia um novo momento da sua jornada, aprendendo coisas que até então não precisava aprender e precisando viver de acordo com a "lei dos porretes e das presas".
O chamado selvagem, de Jack London, não pode ser descrito como outra coisa senão instigante. A narrativa foge do comum e, apesar de mostrar os fatos de uma forma inteiramente racional e objetiva, sem se utilizar de recursos sentimentais, faz com que nos encantemos com a beleza implícita na história de Buck.
Buck, um cachorro "civilizado", arrancado de seu lar e jogado à selva, ao trabalho, ao frio, ao convívio com outros cães, aprende a viver por meio de conhecimentos ancestrais que nem mesmo sabe de onde vêm, apenas instinto selvagem e natural. E o horror da vida primitiva tira de Buck quase todos os seus traços de "humanidade". Ele respeita os homens e animais mais fortes apenas por causa das leis da sobrevivência; quase não há sentimentos de lealdade ou afeto, apenas conveniência.
O livro, apesar de ter apenas 116 páginas, não é superficial de maneira alguma. Só aviso para que fiquem atentos, já que não se trata de uma história "fofa" de cachorrinho, passa bem longe disso. O livro vai a fundo e mostra a crueldade da luta pela sobrevivência e para mostrar força aos oponentes, e os instintos são expostos tão claramente que não se consegue julgar as atitudes dos animas, apenas entender e quase sentir. Mas mostra também que, apesar dessa luta, o animal pode ter os sentimentos mais puros e sinceros do que muitos que se denominam seres humanos.
A linguagem rica de London permeia todo a história, mas, mesmo possibilitando uma leitura fácil, essa pode se tornar maçante para aqueles que não a compreenderem, por tratar-se, afinal, de um clássico. É uma leitura diferente, para aqueles que gostam desse tipo de escrita e que conseguem enchergar a excelência da obra além das entrelinhas.