Craotchky 23/07/2023Dos melhores do ano!Em 1808, Laurentino Gomes faz um trabalho excepcional ao desenvolver seu texto de uma maneira extremamente acessiva; reproduz uma prosa clara e, ao mesmo tempo, recheada de informações rigorosamente fundamentadas em vastas fontes referenciadas ao final. Como ele mesmo afirma na Introdução:
"[...] todas as suas informações são baseadas em relatos e documentos históricos, exaustivamente apurados e checados."
Um dos objetivos declarados do autor (e alcançado com enorme êxito) foi o de
"tornar esse pedaço da história brasileira mais acessível para leitores que se interessam pelos acontecimentos do passado, mas que não estão habituados nem dispostos a decifrar a rebuscada linguagem acadêmica que permeia toda a bibliografia sobre 1808 e seus desdobramentos."
Reconhecendo minhas deficiências quanto a conhecimentos sobre a história do Brasil, embarquei nessa leitura buscando minimizar esse meu pecado. De fato a leitura foi produtiva nesse sentido. Conhecer D. João VI, Carlota Joaquina, a corte real, e o povo brasileiro do período me provocou uma saudável desmistificação da vida e da organização sócio-política daquele contexto histórico.
Poder compreender o encadeamento de eventos que levam a história de um ponto ao outro é valioso: perceber como tudo o que acontece ecoa em outras esferas, e como os acontecimentos se misturam e se desdobram em implicações... Descobrir que a corrupção através da venda de títulos de nobreza, conduzidas pelo próprio príncipe regente, já acontecia no Brasil colônia, é fundamental para extirpar nossa inocência e glamourização quanto a figuras que carregam alcunhas reais.
No princípio do século XVIII, Portugal estava muito atrasado em termos de desenvolvimento econômico e político em relação aos seus vizinhos do Velho Continente. Enquanto a Inglaterra e outros países se industrializavam, fomentando assim uma economia retroalimentar, e reformas políticas eclodiam pela Europa (vide Revolução Francesa) Portugal se sustentava apenas com um modelo de renda extrativista e mercantilista: explorava suas colônias e vendia seus produtos. Era uma riqueza que não gerava riqueza; muito ao contrário, tinha dias contados. Já no campo das ideias, o atraso pode ser representado pelo fato de que Portugal foi o último país europeu a acabar com a Inquisição e a abolir o tráfico de escravos.
Portugal mantinha sua principal colônia, o Brasil, sob severo controle. Até a mudança da família real para terras tupiniquins, não havia dinheiro circulante: a colônia vivia basicamente de escambos. Os portugueses mantiveram os portos brasileiros fechados para o comércio com outros países durante os três primeiros séculos(!) após o descobrimento (a abertura dos portos seria uma das primeiras ações de D. João ao chegar no país). O governo português proibia a existência de impressoras no Brasil, na tentativa de evitar a propagação de ideias consideradas revolucionárias que circulavam na Europa, como por exemplo, o fim da monarquia e a adoção da república.
Com o objetivo de sedimentar melhor boa parte do conteúdo lido, tive a ideia de compartilhar com uma pessoa trechos que me pareceram mais relevantes. Gravei áudios relatando certos episódios, contextos, e elementos que compunham determinadas situações. Expor e explicar para alguém algo me parece um bom exercício de fixação e organização de conteúdo. De quebra, pode gerar conversas mais profundas sobre o assunto.
O capítulo sobre a escravidão se destaca como um dos mais importantes da obra. Não posso me dedicar a escrever sobre ele aqui, pois o espaço seria muito aquém do que o tema merece. (A questão é tão importante que Laurentino escreveu uma trilogia de livros sobre o assunto.) Entretanto, deixo abaixo algumas informações e curiosidades:
Com a chegada da corte no Brasil o número de escravos desembarcados no Rio saltou de 9.689 em 1807 para 23.230 em 1811; um escravo adulto era vendido pelo que em 2007 (ano da publicação do livro) seria equivalente a 10 mil reais; uma mulher custava em torno de 8 mil, e um menino 5 mil. A escravidão rendia ao estado cerca de 80.000 libras esterlinas por ano só em impostos, o equivalente a 18 milhões de reais (mais uma vez o valor tem como referência o ano de 2007).
"Na África, cerca de 40% dos negros escravizados morriam no percurso entre as zonas de captura e o litoral. Outros 15% morreriam na travessia do Atlântico[...] Por fim, ao chegar ao Rio de Janeiro, entre 10 e 12% dos desembarcados pereciam em depósitos, como os do Mercado do Valongo, antes de serem vendidos."