Marreco. 24/08/2023
Nós, mulheres sentadas sob figueiras...
"Eu via minha vida se ramificando à minha frente como a figueira verde daquele conto.
Da ponta de cada galho, como um enorme figo púrpura, um futuro maravilhoso acenava e cintilava. (...) Me vi sentada embaixo da árvore, morrendo de fome, simplesmente porque não conseguia decidir com qual figo eu ficaria. Eu queria todos eles, mas escolher um significava perder todo o resto, e enquanto eu ficava ali sentada, incapaz de tomar uma decisão, os figos começaram a encolher e ficar pretos e, um por um, desabaram no chão aos meus pés."
Essa passagem foi uma das que mais me marcou do livro, justamente por conseguir visualizar tão bem o que Plath tentou comunicar.
Muitos se referem a esse livro como apenas mulheril (o quê realmente já seria bastante levando em consideração o que era provocar os papéis de gênero nos anos 60), mas só quando eu li que compreendi que é um livro sobre depressão. Depressão feminina? Também, mas não somente. A narrativa toda é feita pela Esther, nossa protagonista meio autobiográfica de Sylvia. Pouco se aprofunda nos demais personagens, mas, na minha visão, exatamente porque o livro é da ótica de uma pessoa já muito auto centrada que vai caindo em depressão profunda. Não acho que ela era uma boa pessoa mas também não acho que ela foi escrita pra ser, o que quero dizer é que ela não é mesmo pra ser uma régua moral. Não acho que Sylvia escreveu Esther na pretensão de que ela fosse uma mocinha perfeitamente respeitosa e generosa, mas que mesmo sabendo de seus egoísmos, falhas de caráter, futilidades e vários preconceitos inaceitáveis mesmo pra época, conseguíssemos criar um laço de identificação com o declínio de sua sanidade, e até mesmo de simpatia (ou falta dela) em alguns momentos pela situação da mesma. Ela soube nos fazer entrar no declínio de Esther de forma que mesmo não se compadecendo da moça pudéssemos nos ver nessa situação. Eu me vi, ao menos. Apesar de o tema não ser nem um pouco alheio a mim, consegui mergulhar na narrativa e ver ainda mais verdade em sua história.
Como citei há pouco, não é um livro perfeito. Realmente tem umas questões de racismo, gordofobia e outros preconceitos injustificáveis, que provavelmente permeiam da própria autora, e o perceber foi de certa forma decepcionante. Não acho que devemos apagar esse fator nas discussões sobre esse livro, é importante que isso seja demarcado para não ser engolido tão facilmente, independente de sua época.
No fim das contas, pesando tudo, ainda gostei bastante do livro. A escrita de Plath é realmente digna de uma poeta (que ela é), suas alusões e metáforas são tão precisas quanto capturantes. É pesado e eu não recomendaria para outras pessoas passando por momentos delicados, mas a mim a experiência valeu muito a pena e identifiquei sentimentos que nunca tinha conseguido pôr em palavras. Estou com a cabeça tão aérea e deprimida que esse foi o primeiro livro que eu terminei esse ano, talvez por isso tenha sido tão significativo para mim. Quando eu li Esther não podendo escrever e ler como antes, até não poder de jeito nenhum, aquilo me atingiu. Mas chega de experiência pessoal aqui, creio que apesar da má organização consegui transmitir meus pontos.
E para nós, que nos vimos mesmo que ligeiramente retratados pela obra, digo: sigamos! Que em algum momento escolhamos os figos...