Vanessa 01/10/2023
A vida é uma maré revolta, mas a arte nos põe à beira-mar...
Liberdade? Destino? Luto? Perdão? Para mim, a obra do murakami se propõe, de maneira divertida, a tocar sucintamente - sem objetivar uma resposta filosoficamente elaborada - tais questões.
É maravilhosa a forma como ele apresenta as duas narrativas (de Kafka e Nakata) sem permitir que uma se sobreponha sobre a outra: ambas são, a seu modo, bastante curiosas e com ritmos agradáveis.
Um outro aspecto que me agradou muito foram as alusões a obras artísticas de diversos segmentos. Tive a impressão de que as artes exercem um papel importante na vida do escritor e, consequentemente, na vida de seus personagens, e que a narrativa, por sua vez, está a nos dizer que o belo, o artístico e o sublime podem ser um ponto de alívio no meio do furdunço que é a vida. E daí que o murakami é considerado negativamente um autor "pop" por aludir à cultura popular? Popular não quer dizer, necessariamente, ruim. Dê-me mais, Murakami!
Dito isso, há também aspectos esquisitinhos >demais< na obra: por que razão meter um complexo de Édipo (e com um adendo: envolvendo até a irmã)? Por que raios a participação de todas as mulheres do livro estão envoltas por erotismo? E quando não, aparecem como chatas defensoras de um feminismo infundado e idiota (lembre-se da conversa das duas senhoras com Oshima na biblioteca)? Incomodou-me muito a relação de kafka com saeki (trata-se, terrivelmente, de uma criança de 15 anos e uma senhora) e a violência narrada, ainda que em sonho, contra a sua irmã Sakura. Honestamente, não vi, nessa primeira leitura, motivo plausível para a profecia proferida contra Kafka pelo seu pai (quem sabe numa segunda leitura?) e, assim, a impressão que fica é que mesmo sem o complexo edipiano a história correria para o mesmo lugar. Entendo que a pretensão do realismo fantástico de murakami não é tornar explícitas e resolutas todas as coisas, como o motivo de chover peixes do céu ou o ponto desencadeador do transe que acomete as crianças e transforma Nakata. No entanto, visto que o complexo é algo tão incômodo a qualquer leitor sensível, eu realmente queria, ou melhor, necessitava, de uma explicação mais concreta.
Ainda assim, é um livro que me encantou muito pela delicadeza artística, pelos personagens encantadores em seus diferentes modos e pelo ritmo delicioso da escrita desse senhor haruki. A retratação do feminino foi o único e importante fator a me incomodar, o que não tira o mérito de sua obra mas o arrefece. Quero muito ler outros livros dele para ver o que muda e o que permanece.