Diego Rodrigues 23/10/2021
"Não é humana a experiência de quem viveu dias nos quais o homem foi apenas uma coisa ante os olhos de outro homem."
Nascido em 1919, na comuna italiana de Turim, Primo Levi foi um químico e escritor de origem judaica. Deportado para o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, em 1944, foi um dos raros sobreviventes do Holocausto. Após retornar à Itália, em 1945, retomou sua carreira de químico, mas, tentando expurgar suas feridas, se é que isso era possível, começou a escrever lembranças de Auschwitz. Desses escritos nasceram livros de ficção, relatos, ensaios e poesias. Publicado pela primeira vez em 1947, "É isto um homem?" é tido como um dos mais importantes testemunhos dos horrores protagonizados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Aqui Levi relata toda sua trajetória, desde sua prisão, em 1943, quando fazia parte de um grupo de resistência na Itália, até sua libertação, após a chegada dos russos, em 1945.
Se visto em grande escala o Holocausto já foi doloroso, quando visto mais de perto, da perspectiva de um ser humano que vivenciou tudo aquilo, os números se tornam nomes, os mortos ganham rostos, e a coisa fica ainda mais doída. É fato que antes de exterminar os judeus, os alemães faziam de tudo para desumaniza-los (de alguma forma e em algum grau, parece que isso tornava a nefasta tarefa mais fácil), então, mais do que sobreviver, Levi e seus companheiros tiveram que travar uma batalha diária para simplesmente permanecerem humanos. Não bastasse a fome, a sede, o frio, o trabalho exaustivo e as doenças a que estavam expostos, os prisioneiros ainda tinham que lidar com o sadismo dos guardas, com a humilhação constante e com a concorrência entre os próprios judeus, seja ela por cama, comida ou para escapar das temidas "seleções". Um estado contínuo de medo e de aflição que não os abandonou nem mesmo com a proximidade dos soviéticos, afinal, quem poderia garantir que o exército vermelho faria distinção entre nazistas e prisioneiros? E quem poderia garantir que os alemães ao fugir não mandariam o campo para os ares na tentativa de apagar os vestígios das atrocidades cometidas ali? Fardo pesado demais para carregar e por isso muitos vieram a sucumbir antes mesmo de ir para as câmaras de gás.
Importante ressaltar que este é um livro focado nos dramas de um sobrevivente e não um relato histórico. Você não vai encontrar aqui, por exemplo, fotografias, mapas, dados estatísticos e coisas do tipo (se quer uma leitura mais abrangente e menos pessoal sobre o assunto, sugiro ir atrás de outros títulos). Apesar de dar alguns detalhes do funcionamento do campo, Levi dá mais ênfase ao lado humano e psicológico em seus relatos. Alguns capítulos são inteiramente dedicados a lembranças de companheiros que estiveram ao seu lado no campo e que ele nunca mais viu. A leitura é pesada, mas não desprovida de sensibilidade. Ao longo da narrativa vamos perceber que muitas vezes os prisioneiros se apegavam ao que há de mais trivial numa tentativa desesperada de preservar sua identidade e sua humanidade: a lembrança de uma canção, os versos de um poema, a conservação de um simples ato como, por exemplo, tentar manter a higiene, qualquer coisa que viesse à mente e que servisse para lembra-los de que eles ainda eram gente.
Por mais que sejam conhecidos, os horrores do Holocausto nunca deixam de chocar. Sempre que um sobrevivente conta a sua história devemos parar pra ouvir/ler com atenção. A lembrança desse sombrio episódio da história da humanidade deve ser preservada, e constantemente revisitada, para que cenas como essas não venham a se repetir. Relatos como o de Levi são mais do que necessários, eles humanizam a catástrofe, transformam as estatísticas em gente e nos fazem pensar que poderia ser você e eu ali, bastava ter nascido no lugar e tempo "errados", ou deixar que se tornem errados o tempo e o lugar em que estamos hoje.
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