Euflauzino 13/04/2020A desumanização
Todas as vezes em que me deparo com algo escrito, falado, filmado sobre o Holocausto minha reação é a mesma: indignação. É um sentimento que sufoca, misto de raiva e frustração, que mostra o quão impotentes ficamos diante da violência e da injustiça de natureza bélica. A ideologia nazista com seus campos de concentração é o que mais próximo podemos chegar da barbárie, é a ignorância em estado bruto e letal. É preciso lembrar e relembrar tudo o que ocorreu para não deixarmos cair no esquecimento, para não repetirmos o mesmo erro. O grande filósofo George Santayana já dizia: "Aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo".
“A história dos campos de extermínio deveria ser compreendida por todos como sinistro sinal de perigo.”
Primo Levi foi um dos poucos sobreviventes de Auschwitz. Químico de formação acadêmica, para purgar seus fantasmas, escreveu É isto um homem? (Rocco, 256 páginas), clássico testemunho das atrocidades cometidas contra um povo. Durante a leitura me questionava: O que faz do homem um homem? E fui em busca de uma explicação lógica para tal questionamento. Doutrinas científicas, filosóficas, políticas, religiosas me trouxeram mais dúvidas que respostas. Não seria incorreto afirmar que o homem o é por ser racional, dominar a linguagem e ter consciência sobre si, além de seguir um código moral.
Porém tudo isso cai por terra quando um homem começa a tratar seu semelhante como se não o fosse. Isso não é agir racionalmente, é mais que apenas contraditório, é paradoxal. E que código moral seria esse que rouba o que há de humano no homem, tornando-o um saco vazio, sem vontade, sem alma? Pensar nisso dentro de uma casa aconchegante, debaixo de cobertas e com o estômago cheio é apenas um exercício de imaginação. Tente se colocar no lugar de homens sem esperança e verá que o sofrimento pode não ter medida.
“Vocês que vivem seguros / em suas cálidas casas, / vocês que, voltando à noite, / encontram comida quente e rostos amigos, / pensem bem se isto é um homem / que trabalha no meio do barro, / que não conhece paz, / que luta por um pedaço de pão, / que morre por um sim ou por um não. / Pensem bem se isto é uma mulher, / sem cabelos e sem nome, / sem mais força para lembrar, /vazio os olhos, frio o ventre, / como um sapo no inverno.”
Um dia qualquer, pela "força" de homens ligados ao nazifascismo, judeus, criminosos, homossexuais, ciganos e deficientes, são obrigados a deixar tudo pra trás e embarcar em comboios apenas com a roupa do corpo. Uns iam direto para câmara de gás, outros mais (há quem diga menos) afortunados para campos de trabalho forçado e mais cedo ou mais tarde pereciam também.
“São poucos os homens que sabem enfrentar a morte com dignidade, e nem sempre são aqueles de quem poderíamos esperar. Poucos sabem calar e respeitar o silêncio alheio. Frequentemente, o nosso sono inquieto era interrompido por brigas barulhentas e fúteis, por imprecações, por socos e pontapés largados às cegas, reagindo contra algum contato incômodo, mas inevitável. Então alguém acendia a chama mortiça de uma vela, revelando no chão um escuro fervilhar, uma massa humana confusa e contínua, entorpecida e sofrendo, erguendo-se aqui e acolá em convulsões repentinas, logo sufocadas pelo cansaço.”
Nestes campos a violência e o sofrimento pareciam não ter fim. Elie Wiesel, prêmio Nobel da Paz, outro sobrevivente de Auschwitz respondeu sobre os campos de extermínio nazista: "Ainda não conseguimos abordar este tema. Fica fora de todo entendimento, de toda percepção. Podemos comunicar alguns retalhos, alguns fragmentos, mas não a experiência. O que vivemos ninguém saberá, ninguém entenderá".
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