@aiinulindale 06/02/2020
Um ensaio sobre a lenta e dolorosa perda do "eu".
Por vezes quando se lê um livro de temas obscuros e pesados precisamos de algum tempo para digerir as informações expressas ali, para trazer para si seu conteúdo, ruminá-lo, mergulhar em seus fatos e emergir unindo as informações conquistadas com seu conteúdo pessoal. Este livro não.
São 255 páginas de pura bile.
É amargo, introspectivo, indigesto, te convida a entrar no ambiente inóspito do campo de concentração, e mesmo que seja somente por leitura, você não sai imaculado.
O autor conta sua experiência dentro de um campo próximo a Auschwitz, desde o início alertando ao leitor que este não é um livro somente para contar sobre os horrores praticados pelos nazistas, tão pouco apontar o dedo sobre pessoas, não, é bem mais profundo que isto. Este livro é muito mais sobre quão fácil alguém pode deixar de ser "alguém" e se transformar, nas palavras do autor, em "cinzentos e idênticos, pequenos como formigas e altos até as estrelas, comprimidos um contra outro, inumeráveis, por toda a planície até o horizonte; fundidos, às vezes, numa única substância, numa massa angustiante na qual nos sentimos presos e sufocados; ou, às vezes, numa marcha em círculo, sem começo nem fim, numa ofuscante vertigem, numa maré de náusea (...)"
Basta cortarmos suas amarras sociais, privá-lo de seus pertences, de sua casa, de sua família. Um passo para a bestialidade, um fino véu rompido, levando o ser humano à extremas necessidades, ao desalento, medo extremo, fome imensurável, fadiga, exaustão.
Fora do campo não conhecemos exaustão.
Exaustão é comer um pedaço de pão e um pouco de sopa por dia, trabalhando desde que se acorda até quando dorme em labutas manuais, físicas, pesadas. Exaustão é não poder dormir com medo de lhe roubarem seus poucos pertences ainda existentes (alguns trapos, uma olher improvisada feita de chapa de alumínio, pedaços de metal podre), é viver em constante tensão sobre as seleções que os levam, indigentes, à uma morte impiedosa e cruel. Exaustão é estar em tão profundo desespero que sua luta pela sobrevivência diária inclui atos antes impensados, como furto, violência, desonestidade, agora tratados como simplesmente necessários para respirar por mais um dia.
São livros como este que nos fazem repensar como levamos a vida, o quanto somos realmente gratos, o quanto as coisas simples e os pequenos confortos são enormes em vistas de brutalidades recorrentes.
Uma experiência de leitura extremamente válida e enriquecedora.