ErranteLiterári 07/01/2013
Só um comentário: Uma história que precisa ser lida, vivenciada e conhecida!
Esse livro não é um romance água-com-açúcar, e sim um relato autobiográfico nu e cru. Se tenho uma palavra para descrevê-lo, essa palavra é "necessário"!
Primo Levi foi um dos judeus que sobreviveram ao Campo de Extermínio alemão e contaram sua história.
Normalmente, quando falamos de histórias desse tipo, podemos pensar que será uma narrativa carregada de ressentimentos e ódio, mas não. Esse livro é a história da vida no campo de forma crua, sem julgamentos, sem induções de pensamentos, é simplesmente um relato do que aconteceu e a maneira como os prisioneiros se sentiam naquela situação, como eles viviam, como era a comida, a fome, a humilhação, o medo, as doenças, a incerteza do amanhã.
Esse é um relato histórico de um homem que sobreviveu à Auschwitz. É a história contada por quem dela participou.
Somente para ilustrar a grandiosidade das palavras de Primo Levi, cito alguns trechos que acho que valeram a pena ser lidos... e relidos, não por terem relação com o Campo de Extermínio, mas por serem mais do que isso, por serem reflexões de vida:
"Cedo ou tarde, na vida, cada um de nós se dá conta de que a felicidade completa é irrealizável; poucos, porém, atentam para a reflexão oposta: que também é irrealizável a infelicidade completa. Os motivos que se opõem à realização de ambos os estados-limite são da mesma natureza; eles vêm de nossa condição humana, que é contra qualquer "infinito". Assim, opõe-se a esta realização o insuficiente conhecimento do futuro, chamado de esperança no primeiro caso e de dúvida quanto ao amanhã, no segundo. Assim, opõe-se a ela a certeza da morte, que fixa um limite a cada alegria, mas também a cada tristeza. Assim, opõem-se as inevitáveis lides materiais que, da mesma forma como desgastam com o tempo toda a felicidade, desviam a cada instante a nossa atenção da desgraça que pesa sobre nós tornando a sua percepção fragmentária, e, portanto, suportável."
"Esta será, então, a nossa vida. Cada dia, conforme o ritmo fixado, Ausrücken e Einrücken, sair e voltar; trabalhar, dormir e comer; adoecer, sarar ou morrer."
"Ai de quem sonha! O instante no qual, ao despertar, retomamos consciência da realidade, é como uma pontada dolorosa. Isso, porém, raras vezes nos acontece, e os nossos sonhos não duram. Somos apenas animais cansados."
"A convicção de que a vida tem um objetivo está enraizada em cada fibra do homem; é uma característica da substância humana. Os homens livres dão a esse objetivo vários nomes, e muitos pensam e discutem quanto à sua natureza. Para nós, a questão é mais simples."
"Hoje, e aqui, o nosso objetivo é agüentarmos até a primavera. No momento, não pensamos em outra coisa. Depois desse objetivo não há, por enquanto, outro. De manhã, quando, formamos na Praça da Chamada, esperamos longamente pela hora de irmos para o trabalho, e cada sopro de vento penetra por baixo da roupa e corre em arrepios por nossos corpos indefesos, e tudo ao redor é cor de cinza, e nós também somos cinzentos; de manhã, quando ainda está escuro, todos esquadrinhamos o céu ao nascente, à espera dos primeiros sinais da primavera, e cada dia comenta-se o levantar do sol - hoje um pouco antes do que ontem, hoje um pouco mais quente; em dois meses, num mês, o frio abrandará, teremos um inimigo a menos."
"Poderíamos nos perguntar: quem é esse homem? Um louco, incompreensível e extra-humano, que veio parar no Campo? Ou algo atávico, fora do nosso mundo atual, e mais apto às primordiais condições de vida no Campo? Ou, pelo contrário, um produto do Campo: o que todos nós acabaremos sendo, se não morrermos aqui, se o Campo não acabar antes de nós?"
"As três hipóteses têm algo de verossímil, Elias sobreviveu à destruição externa, porque é fisicamente indestrutível; resistiu à aniquilação interna porque é demente. Ele é portanto, um sobrevivente: o mais apto, o espécime humano mais adequado a esta maneira de viver."
"Assim é, confirma Clausner. Será que os alemães têm tanta necessidade de químicos? Ou é apenas um truque a mais, um novo mecanismo pour faire chier les Juifs, para encher o saco dos judeus? Como não se apercebem do esforço grotesco, absurdo que exigem de nós, de nós, já não vivos, nós, meio dementes na esquálida espera do nada?"
"Bem sabemos que amanhã será como hoje; talvez chova um pouco mais ou um pouco menos; talvez, em lugar de cavar o chão, iremos ao Carbureto para descarregar tijolos. Ou talvez amanhã termine a guerra, ou talvez sejamos todos mortos, ou transferidos para outro Campo, ou aconteça uma dessas reviravoltas que, desde que existe o Campo, são cada vez profetizadas como iminentes e certas. Mas quem é que pode, seriamente, pensar no dia de amanhã?"
"Aos pés da forca, os SS nos olham passar, indiferentes. A sua obra foi concluída, e bem concluída. Os russos já podem vir: já não há homens fortes entre nós, o último pende por cima das nossas cabeças e, para os outros, poucas laçadas de corda bastaram. Os russos podem vir: só encontraram a nós, domados, apagados, já merecedores da morte inerme que nos espera. Destruir o homem é difícil, quase tanto como criá-lo: custou, levou tempo, mas vocês, alemães, conseguiram. Aqui estamos, dóceis sob o seu olhar; de nós, vocês não têm mais nada a temer. Nem atos de revolta, nem palavras de desafio, nem um olhar de julgamento."
Pois bem, se alguém se interessa pela história recente mundial, e os vários pontos de vista de seus acontecimentos, aí está um livro recomendadíssimo. Uma leitura intensa que nos faz refletir sobre o que somos, no que podemos nos tornar e até onde a bestialidade humana pode chegar!
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