Marc 24/05/2023
Prometi para a família que não faria mais comentários sobre livros de esquerda, porque no país que vivemos isso pode significar cadeia ou coisa pior. Mas não consigo silenciar diante dessa coletânea de bobagens e preconceitos que só leio elogios de pessoas que não sabem nem mesmo o que é evolucionismo.
Para começo de conversa, se fôssemos falar de plágio, esse livro nem deveria ter sido escrito, porque ele é praticamente a cópia de Lewis H. Morgan. Isso seria o de menos, se eu não visse nessas pessoas todas termos como decolonização, por exemplo. O livro pega aquilo que está errado, sem qualquer crítica (muito menos a crítica da crítica, como Marx ensinava) e adapta a seu pensamento anticapitalista. Aqui estão as "bases" da teoria marxista da história e as razões pelas quais o capitalismo é antinatural e o regime mais opressor de todos.
O problema é que nada do que está aqui, assim como aconteceu com Morgan e que foi devidamente criticado, tem base arqueológica. Uma coisa é falar em termos livres, como faz Nietzsche na "genealogia da moral", outra é embasar toda uma suposta ciência da transformação social em algo que não passa de mera especulação. Tanto isso é verdade, tanto isso pesou na história da antropologia, que a chamada antropologia marxista não caiu na tentação do evolucionismo fácil e partiu exclusivamente para explicar a passagem de sistemas de produção de alimentos e organização social.
Uma prova irrefutável do quanto esse livro é problemático é que mesmo pensadores "gabaritados" como Simone de Beauvoir citam somente o capítulo final, o único que parece não se perder em raciocínios evolucionistas e suposições sem base material alguma. Não vou nem entrar na questão do incesto, pois Engels e Marx afirmam que ele era tolerado em determinado período, o que não tem qualquer comprovação e, lembrando Levy-Strauss, não faz sentido, porque é a proibição do incesto que mostra o início da cultura (se é assim, então, de acordo com esse livro aqui, houve um período em que a humanidade era animalesca, sem cultura, logo, não era humanidade - são absurdos desse tipo que temos escancarados nessa leitura...). É sofrível acompanhar, por exemplo, que o Estado tem sua origem exclusivamente por necessidades materiais. Veja, a título de ilustração de como as coisas podem ser muito mais complexas, o raciocínio de Ortega Y Gasset sobre uma (note bem, UMA, das necessidades que o Estado cobriu): "(...) o Estado começa quando o homem procura se evadir da sociedade nativa na qual foi inscrito pelo sangue. E, como o sangue, qualquer outro princípio natural; por exemplo, o idioma. Originariamente, o Estado consiste na mistura de sangues e línguas. É a superação de toda sociedade natural. É mestiço e plurilíngue." (A Rebelião das Massas, 171). Tem mais: ele explica que daí nasce uma uniformidade jurídica, que é um meio de lidar com a heterogeneidade de sua origem. O Estado foi uma tentativa de lidar com a tendência das comunidades consanguíneas a se fecharem e se eliminarem pouco a pouco. Não sei dizer como o marxismo lidaria com essa questão...