Helder 18/01/2015Saborosas Lições de VidaÉ difícil tentar fazer uma resenha quando você encontra uma obra tão especial como essa. Minha vontade é escrever a resenha mais especial e interessante a ponto de convencer todos a lerem este livro, pois ele tem que ser lido.
Eu tenho uma opinião de que existem livros que devem ser lidos em certas idades. Alguns, se você passar da idade vai achar um saco (Apanhador no Campo de Centeio, A Vantagem de Ser Invisivel, Demian, etc). Outros, se você for muito novo talvez não entenda nada e não tenha paciência (Clássicos como Anna Karenina ou livros modernos como Precisamos Falar Sobre Kevin). Existem outros que devem ser lidos a cada 10 anos, pois sempre lhe trarão uma mensagem diferente (O pequeno príncipe, O Menino do Dedo Verde).
Arroz de Palma é uma mistura de tudo isso. Não deve ser lido por adolescentes, pois ainda estão muito longe daquela vivencia. Talvez a melhor idade para começar a lê-lo seja aos 40, como eu fiz, mas agora ao termina-lo, sei que precisarei lê-lo de novo aos 50, 60, 70, 80 e até quando meus olhos ainda conseguirem.
Quem nos conta a estória de um arroz muito especial é Antônio, cozinheiro profissional, que hoje aos seus 88 anos está preparando um almoço onde toda a família voltará a se encontrar para comemorar os 100 anos de casamento de seus pais. Com ele, voltamos ao passado dessa família. O casamento de seus pais em Portugal, a viagem para o Brasil, o nascimento dos filhos, os filhos saindo do campo e indo buscar a vida na cidade, a separação destes irmãos pelo tempo, os netos, e até os bisnetos. Tudo isso sendo acompanhado pela evolução do tempo. Das canetas tinteiros sendo substituídas pelo Messenger.
Parece uma estória simples, e é, mas numa linguagem tão poética que precisamos ter um lápis para sair marcando os trechos. No começo existem as metáforas comparando a vida em família com a culinária, mas aos poucos a linguagem vai ficando mais abrangente e vamos ficando cada vez mais emocionados, pois vemos nossos sentimentos explicitados no papel. E me pergunto: Como uma pessoa pode escrever daquele jeito? Teria o autor 88 anos também e toda aquela vivência? E são muitas as passagens. Impossível de lista-las aqui, sem deixar esta resenha com diversas paginas.
Começamos conhecendo Tia Palma com toda sua sabedoria e seu jeito teatral de ser. Existe um "quê" de realismo fantástico que a envolve. Vem dela o arroz, que seguirá durante anos nesta família. Palma vem para o Brasil junto com Joao e sua esposa, e vão morar numa fazenda, onde nasce Antônio e onde ele conhece Isabel, e ambos são abençoados pelo arroz trazido de Portugal. Mas “família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes”. Existem os irmãos, e depois seus filhos.
E Antônio vai nos contando a estória destes e vamos vendo características de nossas vidas ali. O tempo muda as vidas. Aquilo que antes era só um núcleo vai se ramificando e os interesses já não são os mesmos. Cada um vai seguindo seu caminho e parece que já não existe mais tempo para se encontrar no velho núcleo. E deixamos de lado aquilo que nos era tão importante e focamos no novo “ramo” que estamos formando e que a partir de agora passará a ser nossa família. E foi ai que o livro me pegou completamente.
Em minha vida vivo um momento muito forte de reencontro familiar e recomeço, onde existe toda uma incerteza com relação ao futuro “idealizado” e o que possa vir a ocorrer. Estamos mudando de cidade. Nova escola para nossos filhos. Como serão seus amigos? Como eles serão quando crescerem? Que caminhos seguirão? Quais “temperos exóticos” trarão para nosso seio??
Como não se emocionar com a relação de Antônio e seus filhos. Posso dizer que li as ultimas 70 paginas dos livros com lágrimas nos olhos. Quando Nuno resolve ir para Paris e explica sua decisão de vida para seu pai, tão claramente e sem medo. O casamento de Rosário. O jantar em Nova York. Os velhinhos do lado de fora do restaurante. O encontro com Damião no parque.
Que eu seja capaz de compreender e aceitar meus filhos como Antônio e Isabel conseguiram. Que meus filhos sempre me vejam como uma porta aberta e não tenham medo de dividir seus problemas comigo. Que nossos filhos possam nos amar tanto quanto Nuno e Rosário amavam Antônio e Isabel.
Mas lendo Arroz de Palma, recebi um pouco de conforto e algo ali me disse: Deixe rolar e assista. O filme da sua vida vai ser bonito. Apenas acredite e siga em frente.
Daqui a 10 anos, volto com certeza para reencontrar Antônio e os seus, e tenho certeza que as mensagens captadas já serão diferentes, e o mesmo daqui a 20 anos e assim a cada década, e te convido a fazer o mesmo.
Sente-se em uma das 12 mesas com oito lugares e toalha bordadas para o dia de Reis, e venha se fartar com o Arroz de Palma e as maravilhosas receitas de vida de Antônio.
“Meus filhos me mudaram. Cada filho é aprendizado, lição de vida. E ao mesmo tempo, muito dever de casa, exercícios complicados, que nós, pais, vamos tentando resolver com paciência a cada dia pela vida afora.”
“Neto faz bem a saúde. Se avô é pai com açúcar, neto é filho com proteínas, vitaminas e sais minerais. Um abraço de neto a cada 24 horas substitui perfeitamente qualquer tipo de medicamento”
“ Fiz ver a ele que não adiantam micro ondas com programação computadorizada, congelados, sopas instantâneas e tantas outras modernidades: sempre haverá sustos numa cozinha. Sempre haverá aprendizado. Maquinas se reproduzem e evoluem com tamanha rapidez que nem há tempo para conflitos entre uma geração e outra. Mas nós, humanos – mesmo os de ultima geração – somos lentos demais. Nossos progressos são imperceptíveis. Demoramos décadas para perceber êxitos e fracassos. Quando, depois de muito esforço, nos tornamos mestres na arte da culinária, quando, de olhos fechados, acertamos o ponto do doce, muitos já se foram. A família que se senta à mesa é outra. Já não somos netos, mas avós.”
“ A memoria afetiva do mundo vai se apagando, enquanto os dados do planeta cabem todos num computador”
“ Nossos defeitos e picuinhas nos tornam humanos e iguais a todos os demais neste planeta”
Leiam!!