Claire 15/02/2019O Último VooEscolher um ponto certo para começar a falar dessa história é difícil, principalmente pq eu terminei de ler hoje e todas as emoções que este livro me suscitou ainda estão vivas, desfilando dentro de mim. Sei que diferentes livros mexem com diferentes pessoas, e que o momento em que lemos tb conta muito dentro do contexto desse envolvimento da história com o leitor, e, Santuário dos Ventos pousou em minhas mãos em um momento onde a história me tomou nos braços, me embalou em um voo tão suave e delicado e ao mesmo tempo tão intenso e arrebatador que guardarei em mim para sempre essa experiência.
Temos Maris, uma menina de quatro anos que acorda de madrugada, antes do dia amanhecer, para poder ir catar coisas dos destroços de barcos partidos pelas tempestades, na beira da praia. Temos Maris que, mesmo contrariando e desobedecendo sua mãe, foge da praia e vai para a pista de pouso dos voadores, apenas para os ver pousando, admirando suas imensas asas prateadas de 6 metros, que são copiosamente dobradas pelos ajudantes que se oferecem, felizes pela tarefa.
Desde que ela viu o céu cortado por um voador, ela sabia que deveria estar ali. Desde que ela montou nas costas de Russ, seu futuro pai, e voou sobre seus ombros, ela sabia que queria, não só queria, mas precisava de asas. E elas as obteve.
E então temos Maris, a voadora dos céus, aquela que atravessa os ventos. Ela amou muitas pessoas, mas nenhuma tanto quanto amou o céu, desde o começo. Era só quando estava lá, sozinha naquele silêncio quase divino, que ela sabia quem era, o que era e pra que era.
A forma como os autores introduziram diversos personagens, contra e a favor de Maris, é muito suave. Não há muitas descrições físicas aqui, então nossa imaginação vai se encaixando e preenchendo lacuna por lacuna, o que torna a narrativa quase etérea, como uma analogia ao céu. Não há um vilão em Santuário dos Ventos, não há um inimigo que precise ser derrotado, como Sauron ou a Matrix. Há apenas Maris, uma criança, uma garota e uma mulher que da tudo de si para conseguir e manter os seus sonhos, e com isso, muda o mundo.
Não temos personagens perfeitos, pois todos são descritos recheados de falhas, o que torna nossa intimidade com eles muito mais impactante. É difícil não se ver misturado aos argumentos de Dorrel, à convicção do querido Val Uma-asa, e até mesmo de Corm. Eles são humanos, e retratados exatamente assim, com suas dúvidas e inseguranças, seus medos, sua covardia. A narrativa se alonga por dentro da existência de alguém, mostrando cada fase, cada etapa, e é de uma beleza que faz o leitor ver através dos olhos dela, e viver a vida dela, e se colocar na posição em que ela é colocada.
E não são poucas as vezes que nos identificamos com o que ela sente. Brindado pelas frases e parágrafos muito bem escritos, quase poéticos, principalmente quando eles descrevem o céu. Maris é uma eterna apaixonada, até no momento final, no momento da canção, quando ela murmura o seu próprio fim da maneira mais bela e doce que alguém poderia fazer. E não tem como você não amar aquela mulher, não depois de tudo o que vc viveu com ela, não depois de a conhecer tão bem. Maris vai ser sempre a criança que catava conchas, e que deu uma de presente ao primeiro voador que a alçou ao céu de seus ombros.
Maris vai ser sempre a jovem impetuosa que aguardou por horas a fio em um barco, pronta para o roubo, arriscando tudo para não perder aquilo que ela sabia que não poderia ser perdido. A mesma mulher cujos olhos reluziam diante das academias, que tinha o ímpeto de igualdade tão forte, a ponto de contagiar os demais corações. No decorrer de décadas, ela transformou as almas de todos aqueles que passaram pelo seu caminho, muitas vezes, sem sequer perceber.
E cada ponto novo da história é como o fechar e abrir das cortinas de uma novo ato no teatro da vida, no qual nós nos enxergamos, no qual nós nos vemos ali, simplesmente... vivendo.
Santuário dos Ventos não é um livro que precisou de uma história mirabolante, cheia de reviravoltas, artimanhas, guerras. Ele é um livro essencialmente simples, de uma leitura fácil, mas que, se o leitor permitir se envolver, trará a ele toda gama de sentimentos que Maris de Amberly Menor pode viver, desde o momento do início do seu sonho até... até sua eterna continuidade, com uma gargalhada, sumindo pelos céus do Oeste.
Ele fala sobre a perda, sobre lidar com a esmagadora perda de não poder mais viver uma parte de si mesmo. Ele fala sobre o não-fim da vida após o final de parte dela. E sobre o quanto isso dói, o quando corrói, e tudo o que se pode aprender através disso. Reviver, renascer, mas nunca esquecer.
E que criatura incrível pode ser uma mulher de cama, tão idosa que mal enxerga, com as veias azuis saltando nas mãos finas. Quantos universos ela carrega em si, inspiração de tantas canções, mundos modificados, experiências adquiridas. Maris, de Amberly Menor. Maris Uma-asa. Maris, Asa de Madeira. Maris Curadora. Maris professora. Mas sempre Maris, Voadora.
Sempre e sempre.