Lina DC 16/06/2018Arrebatador!"Sem amor" é narrado em primeira pessoa pelos protagonistas Cassidy (Cass) e Brynn, duas pessoas que por motivos diferentes estão despedaçadas emocionalmente. Cass teve uma infância muito difícil, que vai sendo apresentada ao leitor logo no início. Seu pai, Paul Isaac Porter, era um caminhoneiro que passava menos de uma semana por mês com a família. Esses poucos dias eram o motivo de comemoração de sua mãe Rosie, que sempre se arrumava mais e ficava feliz quando o marido estava em casa. Mas, quando Cass tinha apenas oito anos de idade, a polícia apareceu em sua porta e prendeu Paul, sob a acusação de inúmeros assassinatos e violência sexual contra suas vítimas.
"À altura do meu oitavo aniversário, eu deveria ter passado menos de cem dias com meu pai. Em toda a minha vida. Meu oitavo aniversário. Por acaso, ele estava em casa neste dia. Era o último antes de ele pegar a estrada novamente. Também foi o dia em que a polícia do Maine bateu em nossa porta para levá-lo preso." (p. 22-23)
Morando em uma cidade pequena, Cass e Rosie foram hostilizados, sofreram bullying e Cass começou a carregar o peso de ser "o filho de Paul". Todos começaram a encará-lo como um próximo serial killer, como se fosse apenas uma questão de tempo até ele se tornar igual ao seu pai. Então, Rosie decide ir morar com o pai, que vive em uma cabana isolada na floresta, em Piscataquis, norte do Maine.
"- Você me ouviu? Ninguém te quer aqui, assassino.
...
- Ninguém quer esse seu sangue contaminado por aqui.
...
- Ninguém quer ficar olhando para você e lembrando de quem seu pai foi e o que ele fez." (p. 34)
A cabana do avô Cleary é praticamente auto sustentável e poucas foram as vezes que Cass saiu do local. Ele foi ensinado em casa, e seu avô e sua mãe sempre ressaltaram a importância dele "ser bom". Apesar de amarem o garoto, fica claro que ambos tem receio de que Cass tenha herdado geneticamente a maldade do pai.
"- Você acha que eu tenho má índole, vovô?
...
- Você é filho de Paul, Cassidy.
- Mas eu sou eu - insisto -, não sou ele!" (p. 51)
Vale a pena ressaltar que a genética é um tema abordado no livro, onde o próprio Cass debate sobre a possibilidade de carregar o mal em seus genes. É uma discussão que hoje em dia é até mesmo usada em julgamentos, onde se alega que o indivíduo pode não ter escolha ou controle dos seus atos por carregar determinado gene.
"- Cassidy é filho dele, senhora.
Filho dele.
Sou o filho de um homem que um repórter chamou de "o mais sangrento assassino em série que o estado do Maine já conheceu"." (p. 36)
Então Cass vive uma vida solitária carregando um fardo grande demais. Os anos se passam e Cass está com 27 anos de idade, sozinho na cabana. Os dias são uma rotina sem fim, onde seus únicos amigos são os animais locais, até que um dia, caminhando pela floresta, ele avista uma mulher em perigo.
Brynn é uma mulher de quase 30 anos de idade que trabalha como web designer. Sua história é contada logo no prólogo, onde ela narra a perda de seu noivo, o Jem. A morte de Jem foi abrupta e um choque tão grande para Brynn que até hoje ela não se recuperou. Ela quase não saí de casa, exceto para ir as consultas com a terapeuta. Seu isolamento afastou os amigos e é uma preocupação constante para os seus pais. Sua única companhia é Milo, o gato que Jem escolheu para ela. Jem era um homem que amava o ar livre, acampar e passou boa parte de sua adolescência como guia no Monte Katahdin, o pico mais alto do Maine. Ele sempre dizia que lá era onde sua alma vivia, até ter sido entregue à Brynn.
"Katahdin, nome dados pelos Nativos Americanos, significa "a maior montanha", e para Jem nada poderia estar mais próximo da verdade". (p. 27)
Quando Brynn decide que precisa se despedir de Jem e começar a viver novamente, decide fazer uma trilha no Monte Katahdin. Durante a trilha, algumas situações perigosas ocorrem e a protagonista acaba sendo resgatada por Cass. Cass sabe que se chegar na cidade com uma mulher ferida e verificarem a história de seu pai, tudo o que irão fazer é acusá-lo, então decide levá-la até a cabana para que ela se cure.
A interação entre os dois é tão dolorosa inicialmente. Cass tem tanto medo de ser julgado que se distancia ao máximo de Brynn, mas a mocinha não enxerga maldade nele e sim uma generosidade sem igual. E ela também enxerga uma conexão com outra pessoa, algo que ela não tem há muito tempo.
Não tem como descrever a história desses dois. É algo tão real, tão doloroso de se ler. Imaginem não ter contato humano, um abraço, um aperto de mão ou até mesmo um simples sorriso por anos? Ser criado com amor, mas com ressalvas?
O livro fala sobre o amor, sobre redenção e segundas chances e traz para os leitores protagonistas vulneráveis e um enredo diferenciado. A forma como a autora Katy Regnery criou os diálogos, os pensamentos mais íntimos de Cass e Brynn é simplesmente arrebatador.
"Ela é ar. É água. Sorrisos e suspiros suaves enquanto adormece em meus braços. Ela é calor. Ela é promessa e esperança. Ela é normalidade e companhia, meu talismã temporário contra a solidão. Ela se move como o ar ou a escuridão, me cercando, dentro de mim, do mundo e, ainda assim, pertencendo íntima e particularmente a mim. Ela é tudo que eu quero, mas não posso ter, algo mais e mais necessário à minha sobrevivência, o que significa que deixá-la ir irá me destruir." (p. 229)
A Editora Charme realizou um ótimo trabalho de revisão, diagramação e layout. A capa é texturizada e existem detalhes internos que enriquecem ainda mais o enredo.
"- Dizer adeus não significa esquecer. Seguir em frente não significa que você nunca o amou." (p. 44)